Começou com muita dor, um esforço de matar. Eu mal sabia o incômodo que causava pra ela naquela hora. Depois foram vindo sorrisos e orgulhos. Porque eu falei a primeira palavra. Porque dei o primeiro passo. Porque fui ao banheiro sozinha. Porque peguei certo no talher e aprendi a beber no copo. Porque a minha vida caminhava e, ainda que eu não soubesse disso, ela comemorava cada etapa por nós duas.
E então aprendi a ser atrevida, a dizer não, a torcer o nariz e exigir do meu jeito. Ela, então, se esforçou pra me mostrar os limites, me colocar no eixo e me fez entender que muita coisa funciona do jeito que eu não quero. Foi aí que ela me ensinou a ser flexível e, graças a Deus, fez aquela manobra decisiva para que eu não entrasse no grupo do narizes empinados. Fez com que eu aprendesse a tomar doses de humildade, pois ela sabia o quão importante isso seria no futuro.
Ela misturou sorriso, preocupação e curiosidade quando apareceu o primeiro namorado. Fez de tudo pra saber os detalhes e, ainda que eu cismasse que nem tudo era de sua conta, no fundo, no fundo, ela só queria que fosse alguém direito e que me desse o valor que só ela sabia que eu tinha. E, acima de tudo, ela me ensinou, nesse momento, a dar a mim mesma o devido valor. É o que ela chama de amor-próprio.
Depois, aprendi a negociar e, entrávamos então, em uma fase de longas discussões. Eu queria o piercing no nariz, o cabelo grande, a saia curta, a viagem com os amigos e chegar tarde em casa. Ela só não queria que eu tivesse alergias e nem me machucasse. E queria, acima de tudo, que eu chegasse viva em casa e soubesse que pra tudo há limites nessa vida. Mesmo quando temos 18 anos e achamos (com toda a certeza do mundo) que as limitações acabaram e que somos donos do tempo, da coragem e das possibilidades.
E quando discordávamos demais, ela rezava pra que o desejo adolescente de nunca mais pisar em casa fosse logo embora.
Quando eu descobri que o amor pode doer, foi ela quem segurou nos ombros minha tristeza, minha decepção e indignação com a vida, amparando minha imaturidade no seu colo de experiência.
Um dia, então, eu aprendi que conquistas aparecem com o esforço. Quando entrei na medicina, ela multiplicou o meu sorriso e pegou um deles pra estampar na cara dela. Pegou minha felicidade e fez a dela ser igual, se não maior. Incorporou a sensação de dever cumprido, nova fase começando e toda a ansiedade adolescente que eu tinha em mim naquele momento. Fez isso porque merecia comemorar, como uma menina, todas as vezes em que ela não me deixou desistir, que abriu mão das viagens pra acompanhar minhas provas e que me fez ver que o estresse, às vezes, pode ser deixado de lado.
Ela não me deixou na mão um minuto sequer.
E depois de passada a euforia da conquista, olhei pra frente e vi um novo mar de desafios. Muito maior que o anterior. Ela bem que tinha me dito que a vida é feita disso. De fases, de oportunidades e desafios a serem vencidos. Novamente eu me assustei.
Mas logo senti a mão dela segurando a minha, me convidando de novo a dar aqueles passos dos quais ela tanto se orgulhou no início da minha vida.
De novo me fiz criança. Desamparada e insegura. E de novo ela me deu a dose de confiança que eu tanto preciso. De novo, como nos meus primeiros dias de vida, ela me abraçou forte e me lembrou que está comigo.
E não abre mão disso por nada nesse mundo.
Te amo, mãe.