quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Vem cá, minha flor

Eu lembro que mesmo antes de sair eu já sabia que seria difícil voltar. No meio do friozinho na barriga daquele 2015 começando cheio de coisa nova, havia também aquele pensamento em stand by de como seria o retorno para um lugar que eu queria tanto deixar. O interessante é que, mesmo que a gente se convença de que sabe alguma coisa na vida, nenhuma teoria vencerá a força e o impacto da experiência. E está sendo difícil de uma maneira avassaladora. Dentre todas as vidas do Rio de Janeiro, a minha é, provavelmente, uma das melhores que se pode ter e, ainda assim, eu sou dor por dentro. A dor da saudade ainda fresca, a dor da falta de liberdade que a cidade impõe, a dor da desigualdade que existe nas ruas e a dor (talvez uma das piores) de quem não sabe o que quer dos próximos meses ou anos. Dor de não pertencimento também.
 
Entretanto, a mesma dor que machuca também nos dá um grande presente: o prazer de sentir o alívio.
 
Pois bem. Tristezas à parte, o carnaval é, provavelmente, o melhor momento pra retornar e encarar o Rio de novo. Falo por mim, que sempre fui fã dessa época e, novamente, resolvi ir pra rua ver a festa acontecer, mesmo que o ânimo não estivesse lá dos melhores. Houve esse dia, então, em que segui o bloco "Vem cá, minha flor", que eu não conhecia de outros carnavais. Cheguei lá e tinha música boa e gente feliz. Tinha música muito boa e gente muito feliz. Gente dançando como se ninguém tivesse vendo e gente enfeitada brilhando por aí.
 
Gostei. Até que fomos andando e a banda parou na área coberta do MAM. Aí não precisava mais ficar pertinho dos músicos porque o som ecoava por todo lado. O coro das pessoas cantando debaixo do teto fazia a música vibrar o peito e esquentar o coração de qualquer cidadão que estivesse ali naquela hora. Eu parei de pular pra olhar um pouquinho. Uma só voz de carnaval me invadia os ouvidos e, em volta de mim, não dava pra ver nada mais além de felicidade. Muita gente fechou os olhos e dava pra notar a música acariciando a alma de alguns. Todos os ruídos externos não existiam mais e, naquela hora, eu concluí que em um lugar onde se reúnem tantas pessoas felizes ao mesmo tempo, seja lá por que causa, não pode estar TUDO errado. Há alguma coisa de bom e bonito por aqui que a gente não pode deixar ir embora com a purpurina pelo ralo da pia.
 
O bloco seguiu e eu fui atrás. Ainda observando e tentando entender o que tinha acontecido ali. Pelas horas seguintes ficamos no sol. E, antes de ir embora, eu ainda apreciei a cena daquela galera cansada e suada tirando forças de algum canto (talvez da própria energia que emanava de lá mesmo) pra soprar o trombone, balançar o chocalho e bater no tambor.
 
Fui embora com um sorriso no rosto. O sorriso que não tinha quando cheguei lá e que alguém me emprestou e eu esqueci de devolver. Agora era meu. E deveria ser assim daqui pra frente.
 
Toda vez que as coisas não estiverem muito fáceis, vou retomar esse dia na memória. Fechar os olhos e saudar não o Rio, não o carnaval, a dança ou a música. Mas o que realmente aquilo ali representava, que não precisa de época, lugar nem instrumento pra acontecer: a felicidade.