terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal

A ansiedade da viagem. O cheiro da casa de vó. Os ares de sempre, mas com cheiro de frescos e novos. A casa cheia. A mala com as roupas principais lá embaixo. A confusão das camas, das toalhas e dos varais. O sol, a praia, a cerveja. O almoço. Metade na mesa, metade no sofá/varanda. A sobremesa com gosto de infância. O marasmo do fim da tarde. A soneca com horário marcado pra se arrumar. A fila do banho. A confusão do ferro de passar, do secador de cabelo e da maquiagem. O espelho pequeno. O cheiro de perfume pelo corredor. A voltinha na sala. As conversas, o tira-gosto, as pastinhas, salgadinhos, queijinhos, o vinho, o whisky, o barulho da rolha do champagne, as taças e o copo que vira na mesa. Criança correndo. Criança chorando. Criança gritando. O DVD de música. Os presentes. Só uma lembrancinha. Se não der, troca. Não precisa agradecer, besteira. As sacolas no sofá. Hora da ceia. Os pratos empilhados. Faltou talher. Chega pro lado no sofá. Apoia na almofada, suja e disfarça. A sobremesa com gosto de encomenda. Checar mensagens do celular. Responder em grupo. Tirar foto. O primeiro bocejo. As risadas altas e alcóolicas. O sono chegando. A criança apagada no sofá e a outra dormindo na rede. Vamos indo, que querem dormir. Levem os pratos pra cozinha. Levem os copos. Pedaço de torta embalada. Pegue as coisas, veja se não esqueceu nada. O pai carrega o filho que finge não acordar. Checar lei seca. Chamar táxi. Beijo vocês. Obrigada pelo presente. Foi só uma lembrancinha. O interfone. O silêncio. Um beijo.

A família. O amor.
O amor.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Retrovisor

A tarde quente do Rio se despedia jogando os últimos resquícios de brasa na cidade derretida. De dentro do carro, eu observava apaixonada o mar dourado de São Conrado, ainda que o ar condicionado fosse o meu maior amor. Devagar, aparecia o pôr-do-sol no retrovisor e eu, ainda que tentada, não podia assistir continuamente. Olhar o espelho virado pra trás era apreciar algo bonito, mas o trânsito não permitia uma prolongada retrovisão. "Nem o trânsito, nem a vida"- pensava, no silêncio da viagem. A voz de dentro dela sempre falava pelas tabelas nos momentos em que o mundo se calava. E então concluíam, as duas (ela e a voz), que nem no trânsito nem na vida poderíamos viver olhando pra trás. Quer dizer, as coisas passadas têm lá sua beleza, têm seu valor e merecem o devido reconhecimento, como merece, todos os dias, o pôr-do-sol que abençoa o Rio de Janeiro. Mas, pensava baixinho, estava na hora de fazer do presente, de novo, o combustível da vida. "Considere o passado, viva o presente e lembre que o futuro nem sequer existe ainda" - repetia como quem aprendia o dever de casa. Há muito tempo o retrovisor guiava a sua vida, causando cada acidente bobo, cada topada na cara que, estranhamente, não eram o bastante para fazê-la aprender a olhar pra frente. É que o pôr-do-sol era belo demais e, refletindo no mar de São Conrado, chegava a ser hipnotizante. Ora, as coisas que ficam pra trás têm disso mesmo. Hipnotizam e têm a forma perfeita da tentação. Algemam, prendem, puxam e derrubam todo e qualquer ser insistente com mania chata de avançar. Ah, sim. O passado tenta mesmo. Às vezes até brinca de vivo de novo.

Mas algum estalo ali na frente, alguma luz de sinal vermelho ou uma buzina mais estrondosa a fez voltar o pescoço e, com ele, a atenção pra vida que acontecia agitada. Tudo acontecia bem diante dos seus olhos. O presente presenteava e entupia o caminho com as surpresas do agora! 

Trocou a marcha, ligou os faróis pra noite que vinha caindo e repetiu, sozinha: "em frente agora. De uma vez por todas, em fren-te".