segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Domingos

Nunca gostei dos cheiros que o Domingo exala. Quer dizer, as coisas todas tem um cheiro: o mar, o suor, o livro, o café, o sexo, o medo e, é claro, os Domingos.

O primeiro cheiro desse final ou início de semana era do almoço ultrapassando as frestas da porta e cobrindo meu corpo ainda adormecido. Em vez de despertar com o cheiro de café invadindo as narinas, eu acordava cheirando a óleo de mim mesma e churrasco da varanda do vizinho. Domingo seguia, então, preguiçando pelas horas assustadoramente rápidas que, assim como eu, detestavam demorar demais nesse dia. Ao sair na rua, havia o cheiro do perfume das famílias passeando rumo ao Jardim Botânico. Cheiro dos cachorros correndo na praça, do cigarro do flanelinha correndo atrás de um carro, do frango rodando no boteco da esquina. Domingo tinha cheiro de peixe de feira, de fumaça de moto e de asfalto evaporando daquelas poças invisíveis que o calor faz a gente enxergar. No fim da tarde, vinha o cheiro que mais desgosto: o das tarefas inacabadas. Ah, Domingo era quase uma força do além puxando meu corpo fraco rumo a um poço de improdutividade.

Rapidamente, Domingo ganhava o cheiro da noite chegando e, consequentemente, das luzes acesas no quarto abafado. Havia o cheiro das roupas empilhadas na cama por fazer, de moedas espalhadas na escrivaninha e de café seco em xícaras vazias.

De repente, o cheiro de Segunda invadia a sala, abafando todos os cheiros que Domingo carregava. Domingo ia embora silencioso, sem se despedir. Nunca se despedia, como se, no fundo, soubesse que algum cheiro estranho surgia toda vez que entrava em cena.