terça-feira, 20 de novembro de 2012

Para ler devagar


Todos os dias haviam, de uns tempos pra cá, adquirido aquela identidade dominical de 'tempo que se arrasta'. Mas não no sentido fastidioso. Não no sentido de tédio que ofusca a vontade de viver. Digo 'tempo que se arrasta' no sentido bom de ser. Tempo que caminha de sorriso aberto pra cada pequeno movimento do relógio, não inventando de dar passos maiores que as pernas só porque a modernidade assim o quis. Todos os dias, agora, nasciam com a preguiça gostosa do conforto da cama. Era a primeira vez que ela sentia cada torçãozinha do espreguiçar, uma por uma.  Depois, o gosto do café na boca ia ditando o ritmo lento do dia que se iniciava. Pensava em ler o jornal, mas tudo acontecia rápido demais nas páginas sujas. Pensava em ligar a TV, mas é que falavam rápido demais naqueles programas inúteis. Então, olhava pra fora. E via chuva fininha caindo no telhado vizinho. Gostava de observar a marca efêmera de cada gota na telha que escolhia pra namorar. 
Aos seus olhos, a vida acontecia lá fora no ritmo que Deus queria que fosse. 
Voltava para o quarto e pensava em ler a matéria das aceleradas obrigações do dia-a-dia. "O Crescimento Bacteriano", pronunciava alto. Mas logo pensava que bactérias crescem rápido demais, então desistia da pressa daquele texto.
Era a primeira vez que sentia o fim do ano sem parecer o fim da vida. Seguia o apelo de Lenine e tinha, sim, um pouco mais de paciência. Queria a vida calma como a beleza do Rio pedia às vezes, quando ela parava pra reparar.
O coração já não ia bem. Uma vida taquicárdica pra quê, então?
Ah, a vida mais calma respirava melhor. E ela respirava e sorria mais agora. Já disse Chico Buarque o que ela agora repetia quase como uma oração:

"Não se afobe não, que nada é pra já".