domingo, 30 de julho de 2023

Crença

Estava eu, sudoreica e corajosa, caminhando a passos largos em direção ao que havia de ser feito. Eu, sentindo o peso da responsabilidade nas costas, enrugando a testa sem perceber, andava taquicárdica rumo à comunicação de notícias ruins no corredor da enfermaria do hospital. Cheguei, chamei aquela mulher no canto, enchi os pulmões com a verdade e exalei os fatos de forma lisa, breve e firme. Alguém deveria ser firme. Entendi, desde sempre, que a firmeza era minha obrigação:

- Não tem mais jeito, então? - perguntou ela como quem procurava poças d'água nas areias de um deserto.

- Infelizmente, não - respondi com a secura do próprio deserto, pois mesmo não vivendo 24h naquele clima árido, eu sofria da mesma sede que ela.

Me preparei para o deságue dos rios que não havíamos visto até então: as lágrimas torrenciais de quem entendeu a despedida. Porém, para a minha surpresa, o rosto daquela mulher estava sereno e esboçava uma expressão de luz. Me ajeitei na cadeira, pensando em outras palavras para explicar o óbvio inevitável, mas fui surpreendida pela calmaria de uma resposta-surpresa:

- Acho que quando chega o limite da ciência, é a hora em que a fé prova não ter limites - disse a moça vestida de paz e bastante contente com sua própria conclusão.

Eu e ela, unidas pelos mesmos fatos em um diálogo difícil, éramos separadas por uma coisa apenas: a crença. 

Eu estava pesada, triste, cansada e aflita, enquanto ela, informada das mesmas coisas que eu, escolhia acreditar que tudo (tudinho) era passível de acontecer dali pra frente. Ela, agarrada fortemente ao que escolheu acreditar, havia se tornado maior do que as paredes, portas e chão daquele hospital gelado, onde correntes de vento desafiavam as chamas que muita gente tentava conservar acesas.

Saí pensativa acerca disso - do poder da crença. Olhei pra vida atrás de mim e tentei lembrar de algo que não fosse composto daquilo em que eu fortemente acreditava. Não havia. Varri com o pensamento os 31 anos que me foram dados até então e concluí que o filtro da crença sempre esteve na minha interface com o mundo. Pensei no que mais poderia mover as pernas em direção às coisas se não fosse o ato de crer. Acreditar, por exemplo, que água do mar em um domingo gelado é a única coisa que pode curar o corpo e o cérebro de todos os problemas num mergulho só. Ter a crença num amor tranquilo e livre. Jogar a fé em cima de tanta coisa que só existe porque ela está lá, cobrindo os momentos todinhos com o véu da nossa própria verdade. 

Pensei, por fim, que vivi todos esses dias depositando a minha fé naquilo que julguei valer a pena, tal qual a moça tranquila da enfermaria do hospital. Lembrei que tudo é o que é, sim, justíssimo. Mas a realidade aumentada da crença numa coisa maior e mais bela é, talvez, o que me fez ficar viva em tantos momentos de morte.