sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Abstrato divã

Eu não sei bem o que a madrugada tem de tão interessante. Quer dizer, sem música, sem álcool, sem gente e sem nada: madrugada daquelas cruas mesmo. Só você com você mesmo. 

Não sou insone. Forço uma vida de coruja porque alguma coisa na madrugada realmente me atrai. Mal dos ansiosos isso; essa coisa de ficar alerta por qualquer mínimo evento, ainda que o evento em questão seja a épica e demorada luta, sem nenhum aparente motivo, contra o meu próprio sono. Eu me concentrava ora no filme que pegava da metade, ora no sanduíche que artisticamente preparava e ora nos ruídos que a casa dormida emitia. A geladeira virava uma sinfonia de estalos. O vento, essa eterna criança, batia na porta da sala e saía correndo no mesmo segundo. A posição que mais me contorcia a coluna era a mais perfeita materialização do conforto no sofá afundado da sala. O celular às vezes apitava. A ansiedade fazia o coração bater mais rápido. Eu levantava correndo pra buscá-lo na mesa e, sorrindo, constatava que era a bateria igualmente cansada e querendo dormir. Não era você perguntando por mim. Não era um encontrinho por SMS na madrugada. Daqueles que a gente deita na cama, no completo escuro do quarto, e se põe a digitar enterrados no cobertor. Ninguém vê. Ninguém ouve. E o encontro silencioso dura até os olhos arderem e desistirem da luta diária, rebelde e sem causa, que sempre termina com o mesmo vencedor: o sono.
Pois bem, eu não sei dizer o que é que a madrugada faz. Que mundinho é esse que descubro vasculhando os meus próprios pensamentos enquanto todo mundo sonha. Não sei quando é que vou aprender a viver as manhãs. Sim, porque as manhãs, as saudáveis e ensolaradas manhãs...ah, eu as abandonei há um tempo. São bonitas, sim, são um período do dia que tem o cheiro bom do café, o frescor do banho recém tomado e a conferida rápida na manchete do jornal. Mas, ainda que ofereçam tamanhos artifícios, as manhãs não possuem esse estranho poder das madrugadas de gerarem um verdadeiro e interessante mundo paralelo na minha cabeça.

Ainda que escuras, caladas, solitárias e quietas, as madrugadas, com esse ar de divã invisível, fazem dos meus pensamentos um interessante filme que nunca consigo ver até o fim.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Retornando (à vida)

O que mais me assustava em você não eram suas atitudes propriamente ditas. Não eram os atos. Não eram os erros, como faz todo ser humano que se preze. Nada disso, meu bem, deixa de ser digno de conversa, de calma e de vontade de perdoar no mundinho de coisas comuns que eu carrego dentro de mim. 
O que me faz ir embora de verdade, me ataca e me derruba num só golpe, é o assustador contraste entre seu discurso e suas ações e, principalmente, a estranha insistência em abraçar o orgulho com unhas e dentes e não deixar escapar um reconhecimentozinho sequer de que, possivelmente, algo de errado aconteceu.

Eu costumava dizer aos curiosos que perguntavam por mim nesse último mês que eu não havia viajado sozinha. Dizia isso com sorriso no rosto e coração aberto, não porque carecesse de sanidade, mas porque eu tinha levado você comigo. E todos os dias eu acordava e via você sorrindo pra mim. Eu dava um bom dia já rotineiro, brindava meu chopp com você pela noite e curtia a saudade como quem sabia que o abraço da volta ia valer a pena. Que a sintonia do vinho, da Lagoa Rodrigo de Freitas e de você numa tarde carioca iriam valer a pena. Pois você tinha essa coisa, de apagar tudo de ruim que o dia tivesse oferecido e virar uma recompensa materializada. Você me inseriu num mar de carinho, confiança, muito riso e muita farra, me assegurando que estava tudo bem. 
Mas o problema, meu bem, foi que você um dia quis sair sem dizer por que. Sem achar estranho. Sem se incomodar. Você só cansou e, entre descansar logo ou me ajudar a levantar da queda, você preferiu o primeiro. Acho que porque sabe que dor dá e passa. Seja lá o que realmente pensou na hora, talvez não mereça tanta importância agora.

O que importa é que voltei. E amanhã começo a matar a saudade que tanto me matou nessas semanas. Não de você. Mas do meu Rio de Janeiro, que faz a vida ser bonita fora de mim. E que, em vez de deixar os olhos se embaçando com água, faz a gente rir e se orgulhar. Deixa tudo pra lá então, e vamos viver.

Se Roberto Carlos me permite uma adaptação: quero que você me esqueça nesse inverno, e que tudo mais vá pro inferno.