quarta-feira, 29 de junho de 2011

Pela vida

Hoje eu quis dormir até tarde, "perder" a manhã, como dizem por aí.  Quis pegar a bicicleta e deixar nas mãos do vento o estilo do cabelo. Quis sair de chinelo no frio, tomar sorvete no frio, mergulhar no mar no frio. Comer chocolate sem peso na consciência. Deixar o ônibus passar e seguir a pé. Hoje quis rir alto de um livro. Rir alto de nada. Quis desligar o celular e ponto final. E que mandem cartas se quiserem entrar em contato. Quis chorar com o filme no cinema, ou rir alto pela 3ª vez consecutiva. Hoje quis trocar a luz da luminária do quarto pela luz do sol lá fora. Quis ouvir música nas alturas. Quis ficar de bem com a bagunça do meu quarto, vendo que cada objeto não poderia estar em um lugar melhor que aquele. E se perdi o nascer do sol, quis assistir sua despedida, aplaudir sozinha e respirar com força os últimos raios da tarde, como um carpe diem de minutos por não saber se a tarde iria aparecer de novo. Quis assistir o show de cores do céu. Azul claro...laranja...azul escuro...preto. E quando chegou a noite, quis curtir o frio, tomar vinho com fondue num aconchego só meu. E me senti romântica, como se tivesse motivos e destinatário pra isso. Amor pela vida, quem sabe.

Hoje quis deixar o peso num cantinho. E sentir que a vida é leve. Muito mais do que se pensa por aí.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Flash

Depois de tantas brigas, depois de tanto choro, tanto grito e tanta despedida sem razão, ela se deitou na cama pra mirar o teto. O silêncio da casa dormida parecia convidá-la para assistir os filmes que se passavam na sua cabeça. Ela se cobriu até a rosto. Como quem se esconde do perigo iminente. Que perigo? Não sabia. Vivia assim, em um estado de alerta contínuo que muitas vezes eram fruto dos alarmes falsos que sua cabeça criava. Descobriu-se. O frio logo veio banhar o rosto. Olhou para o lado, querendo achar o sono, e achou, no lugar, uma máquina fotográfica. Um poço de lembranças digitalizadas no qual ela ousou mergulhar naquele momento. 
No entanto,  para a sua surpresa, nenhuma foto que olhava havia ficado boa. Todas embaçadas. Ofuscadas por qualquer defeito que fosse daquele aparelho de qualidade mediana. Tinham tudo pra ser lindas, as fotos daquela fase. Tinham tudo pra deslumbrar os olhos de quem visse e encher o orgulho do fotógrafo. Mas não. O foco havia sumido. A nitidez nem dava sinal de ter passado por ali.
Ela refletiu, então, sobre o que podia ter dado errado nos flashes da melhor fase de sua vida. 
Logo viu quem ofuscava. Logo viu quem tirava o foco dos momentos em que a felicidade reluzia de tão nítida! 
Era o medo.
Ele embaçou os melhores momentos da vida da menina porque a impediu de cair de cabeça. Embaçou os sorrisos, os abraços, os beijos e as certezas daqueles dias. Por causa do medo, muita coisa não havia sido vivida com clareza, com nitidez; degustando cada detalhe da paisagem oferecida.

Depois da conclusão, outro pensamento veio bater à porta. 
"Se o medo é a limitação da vez, começo a vencê-lo agora. Que venham dias intensos e sorrisos na forma mais pura que a vida pode oferecer. Quero os goles de felicidade em dose dupla, e que todos os mergulhos dados, a partir de hoje, sejam de cabeça, como deveriam ter sido nos dias em que o pé atrás me protegeu, mas, estranhamente, não me fez sorrir logo em seguida". - pensou, de vez.

Ela, então, levantou da cama. E com a máquina em mãos, foi respirar na varanda. Frio. Silêncio. E uma lua absurdamente linda e enorme iluminava com atitude o céu daquela noite. Olhou a máquina...por que não tentar? 

Mirou a lua, linda. Observou com cuidado a tela pequena. Concentrou-se. Sem tremer. E apertou o botão sem mais pensar. Segundos de processamento. E lá estava ela. A foto inteira. Nítida. Perfeita. 
Não havia sinais de ofuscamento. Era uma lua brilhante. Não mais turva, não mais escondida. 

Talvez fosse um novo começo. 
Uma nova chance de não deixar mais que as fotografias se ofusquem, e que a felicidade não fique nítida com há de ser.

domingo, 12 de junho de 2011

Deixe que digam

Ele: - Por que falam tanto? Olham tanto? Espiam tanto?
Ela: - Eu não sei o que veem na gente. Não sei dizer o que, em nós, tem a ver com os outros.
Ele: - Há algo de errado?
Ela: - No amor?

- Não, na gente.
- Mas nós somos amor.
- Ok, no amor, então. Há algo de errado?
- Não. Pra quem o vive, não. Mas pra quem observa, muitas coisas podem estar erradas. Por exemplo, essa sua cicatriz no supercílio...é de fato muito estranha. E, mesmo assim, conseguimos ficar juntos.

Ele riu.

- Eu falo sério.
Ela: - Eu também. Só estou tentando lhe dizer que o amor tem dessas coisas. Escolhe dois indivíduos e os faz enxergar coisas diferentes das que o resto das pessoas veem. Se, pra mim, seu rosto é perfeito, pra eles, sempre haverá essa cicatriz no supercílio.

- Mas por que se importam tanto conosco? Por que não nos esquecem e param de falar, de notar, de espiar?
- Em vez de pensar na sua reputação, pense em mim.
- Mas penso em você todos os dias.
- Me diz então o que falta mais.
- Não falta nada.
- Então fique tranquilo aqui na fortaleza. O amor nos colocou nesse estado de espírito, e nem o verbo na boca dos outros consegue ser maior que o nosso silêncio que diz tudo.
- O que você acha que eles estão vendo?
- Não sei, devem estar vendo um montão de coisa errada. E eu só vejo você.
- Eu só vejo você.

E saíram de mãos dadas. Entre olhares e vozes alheias.
Mas eles estavam cegos e mudos.
E absurdamente felizes.

domingo, 5 de junho de 2011

2º ato

Ir embora não é traumático como parece. O problema é que, olhando de dentro, parece que é o fim. Pode ser o fim da cena, da trilha, da página. Mas não é o fim do filme, do caminho, do livro. Continue assistindo, caminhando e virando páginas. E verá que ir embora é a forma que a vida encontra de te fazer dar passos. Os passos da vida não são os mesmos que você dá pra não perder o ônibus ou para atravessar a rua. Os passos da vida são maiores. Vêm em forma de mudança. Eles querem ser notados, querem mesmo é provocar. Às vezes eles se confundem com tropeços. Mas acredite, são sempre passos. Maiores, menores, que seja. Não deixe de andar pra frente. 
Ir embora de um lugar ou de alguém é permitir que o teatro da vida vá para o 2º ato. 
Sem comprometer os aplausos do final.