sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Cinema

Foi estranho porque todos os planos falharam ao mesmo tempo. Uma falta inusitada de interesse pela música boa da Lapa, junto com o medo enfeitado de um temporal que arrasaria a cidade, foram lentamente fazendo as horas passarem. Uma quinta-feira de Fevereiro, tão doída durante o dia pelas nossas conclusões em conversas intermináveis; pelas nossas mágoas e machucados expostos a arder; um dia tão carregado emocionalmente, merecia mais era um grande exagero pela noite, pensei. Mas não. Por algum motivo, hoje eu não queria barulho. Nem a poluição visual de um lugar lotado. Nem a cerveja gelada. Nem nada disso que procuramos quando queremos nos distrair. 

Na dúvida do temporal, saí e entrei na sala escura e gelada, praticamente vazia. No máximo, sairia com o mundo acabado lá fora e nem isso me importava mais. O negócio é que, ao sentar ali, aconchegar-me nas cadeiras que eu queria ter em casa e desligar o celular - uma quase extensão do meu corpo nos últimos dias-, eu dei de cara comigo mesma. Ali na frente não havia uma tela gigante exibindo os trailers antes de um bom filme, mas um grande e inibidor espelho e, por uns minutos, eu pude olhar pra cada traço e sarda do meu rosto cansado. Há quanto tempo eu não tinha um encontro desses? Quanto tempo fazia que eu não me via assim: sozinha mas não solitária. Na companhia de mim mesma, exausta de dias anteriores e, estranhamente, feliz.

Sim, eu estava aliviada por ter tido a coragem de mulher e a sinceridade de criança pra abrir meu coração e te explicar os pormenores. Talvez eu não tenha tido a calma de um monge, mas você me conhece e sabe que é mal dos ansiosos atropelar as palavras ao falar. Pois bem, cada minuto ali sentada me dava um aconchego e uma paz que fui gostando. Sentindo cada gota de catarse que o filme causa na gente (se deixarmos) e lembrando, fielmente, que os pequenos prazeres da vida nunca saíram correndo. Eu me doei tanto no último mês, mas tanto, que já não estava sabendo administrar minha preocupação com o caminhar das coisas. Queria controlar cada segundinho nosso e jurava que podia, também, acompanhar os seus passos, que nem aquela brincadeira que fazemos ao andar na rua quando crianças. Se um erra o ritmo da andada, é preciso começar tudo de novo.

É. Eu estava com saudade de mim. É normal sentir saudade de si mesmo? Estava com saudade de caminhar com as minhas pernas sem ter que suar pra seguir outros passos. Porque quando passa a ser suado, acho que precisamos descansar, não é?

Saí, então, e o mundo ainda estava lá. Tantas vezes que penso que ele vai acabar e hoje, mesmo com o terror conjunto da cidade, tudo ainda estava lá. Caminhei até o carro e, no caminho, a mpb me entendia. Eu ri sozinha, meio boba, como quem chega em casa depois de um primeiro encontro esperado. Era a saudade disso. De olhar um pouquinho pra dentro e ver que tudo ainda está lá. 
De lembrar novamente que os vazios, muitas vezes, são preenchidos com uma coisa muito nossa que deixamos de lado em várias de nossas doações. 

Acho que é essência o nome.