domingo, 29 de agosto de 2010

O que não consigo te falar cara a cara

Não, você não faz ideia. Não tem e nunca terá a mínima noção de como está sendo importante pra mim. Eu estava prestes a cair, apoiada em um único dedo, já assustada com a altura que meus olhos observavam aflitos e o corpo (coitado) colhendo os cacos daquilo que meu coração resolveu aprontar há algum tempo. Geralmente ele é bem quieto, nunca tem vontade de correr atrás de nada, comportado, estável. Outro dia ele me disse que se dava bem com você. Outro dia meu sorriso me falou também que há muito não sentia tanta vontade de sair de casa como ultimamente. Os meus olhos te agradecem pelo resgate do afogamento (foi por pouco). E eu, pegando a parte que controlo de mim, te digo que você acertou. Acertou a hora de vir e me dizer que segurava se eu caísse. E segurou. Eu sei que a rotina é cansativa, e que às vezes eu passo muito tempo na realidade e me esqueço daquelas viagenzinhas nos meus pensamentos, e em você. Mas o sol tem aparecido. E eu levanto um pouco mais a cada dia.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A cara da saudade

Dá pra ver a saudade sim. Não em forma de pessoa. É o corpo que te mostra. É como um trajeto sem saída.
Começa lá na cabeça, com os filminhos do cérebro. Tela de inquietudes passadas, transmitindo em cores a cara da saudade. Depois desce pros olhos. Primeiro vem vermelha, em forma de veiazinhas pulsantes que mais parecem pequenos rios das águas das tuas lembranças. Quando os rios transbordam, a saudade não sai vermelha não. Sai transparente. Tendo a fineza de se apresentar em cor pura, cristalina, inocente...o mais constrastante possível com os efeitos que causa. Continuando seu caminho, a saudade vem  brincar com a boca, causando a vontade de falar palavras que você nunca encontra. Ou de gritar pra quem não pode te ouvir. Ou de beijar os lábios de quem botava sorriso nos seus. Depois atinge a garganta, formando um nó. Sim, um nó que dói de tão apertado. Um nó salgado, que você não sabe se é na garganta ou no peito. Que diferença faz? O próximo passo é mesmo o coração! E quanto a este, me dê o direito de pular. Você bem sabe que o coração é alvo fácil, núcleo daquela dor que você tanto quer arrancar. Não se preocupe, são só uns machucados até a saudade descer pros braços e mãos, te dando a vontade de escrever, de discar, de ajudar a disfarçar a inundação dos riozinhos lá de cima. Não satisfeita, ela te faz querer abraços que não vão voltar nunca mais. Por último, é a vez das pernas. Vem a vontade de correr. Às vezes correr pra longe. Pra fora. Pro nada. Ou correr atrás de quem causou essa inquietude toda.

Ah, saudade. Faz a curva e volta fortalecida (mais?), pra mais uma viagem rasgando a alma de quem procura paz!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O poeta e a tinta

O poeta pegou a pena, sentou-se na grande poltrona junto à lareira e pôs-se a encarar o papel branco que tinha no colo. Poderia passar a noite toda escrevendo o turbilhão de idéias que tinha em mente. Eram lembranças, fatos do dia e um punhado de sonhos que cismava em atribuir um significado especial. Antes de tudo, sabia que não poderia demorar muito em sua reflexão, pois assim os ecos da cabeça abafariam a voz do coração. Molhou, então, o fiel escriba de sua alma (que parecia ter vida própria quando ele começava a escrever) e, assim que aproximou o objeto do papel, uma gorda gota azul tomou sua frente e, com toda a imponência, caiu vagarosa e elegantemente na imensa superfície branca que parecia não lhe amedrontar com suas dimensões vertiginosas, tamanha era a ousadia daquele ato. O poeta observou cada segundo da corajosa gotinha sendo absorvida pela folha, espalhando-se agoniada nos seus últimos momentos de vida; naquele seu territoriozinho azul do qual se orgulharia caso pudesse ver o resultado de sua façanha.
O rapaz parou um instante para ouvir o que uma daquelas vozes apaixonadas que moravam dentro dele estava dizendo. Dizia que aquela gota de tinta parecia com ele quando foi tomado de amor por ela (aquela moça que ele viu passar duas vezes em toda a sua vida). Naquele dia que ele arriscou pôr o pé no mar de encantos que transbordava dela, e acabou mergulhando por inteiro, sem que nada pudesse fazer para se livrar daquela folha de papel.
Por fim, lembrou-se que agora morria de amor. Morria de saudade. Morria com sua condição de poeta apaixonado, que nunca aprenderia a se defender de uma onda de sentimentos. Em sua vida, ele sempre nadava contra a maré, alcançando um bocado de areia de quando em vez, mas logo arrastado para o fundo novamente.

Pegou, então, a pena que tinha em mãos, mergulhou-a com vontade no vidro de tinta e salpicou milhões de gotas na folha que o desafiara. Em seguida, subiu as escadas e foi se deitar. Certo de que aquela era a poesia do dia. Certo de que seu coração muitas vezes tomava as rédeas de suas obras e o intrigava com aquele mistério sempre silencioso. E quanto a isso, nada podia fazer. Porque se tinha uma coisa que não possuía naquele momento era a tal da razão que perdera por ela. Parecendo uma gotinha de tinta dessas que caem no papel e se afogam na própria aventura, parecendo pular ao encontro do sofrimento. Parecendo saber, acima de tudo, que o destino do fogo é a água, do branco é a tinta, do riso é o pranto, da voz o silêncio e o seu, o amor.

sábado, 14 de agosto de 2010

Da segurança máxima que inventou pra si.

Ele chegou aflito no local onde haviam combinado. Acabara de sair da faculdade e não fazia ideia do que ela tinha pra falar.

Ele: - Tentei te ligar pra avisar do trânsito.

Ela: -Tudo bem, não esperei muito...

- O que houve? Tanto mistério seu.
- Mistério?
- É, parece meio nervosa.
- Sim, estou.
- Algo que eu possa fazer? Você não é assim normalmente.
- É que ontem decidi ir embora.
- Como assim?
- É, sumir.
- É algum tipo de brincadeira?
- Não, não é. Sei que parece estranho, mas é isso.
- Você não gosta mais de mim?
- Não se trata disso. Tudo que falei foi verdade. Você foi a melhor coisa que podia me acontecer. Te amei com uma intensidade que eu nunca tinha visto.
- Então o que eu fiz de errado?
- Não foi você. Mas todas as coisas que te impediam de ter mais tempo. Eu sei, eu sei. Eu disse que estaria com você não importa o que acontecesse. Mas, não quero lidar mais com isso.
- Você não tinha um modo melhor pra me fazer entender isso? Simplesmente ficou a pessoa mais estranha do mundo essa semana, me tratando como se eu não fosse mais tão importante. Até que marcou de nos encontrarmos aqui nessa praia, à noite, pra jogar essa bomba?
- Eu sei. Desculpa por tudo.
- Você entende a minha dor?
- Entendo. Eu também senti bastante. Não foi fácil esquecer tudo.
- ESQUECER?
- Simplesmente me conformei que agora não vai dar. Nossos ritmos são diferentes. Eu não quero abrir mão da minha vida.
- Por que eu te pediria pra "abrir mão da sua vida" ?
- Você entendeu.
- Na verdade, não.
- Desculpa mesmo. Odeio te fazer mal.
- Olha, você querer ir embora, ou não gostar mais de mim é até mais fácil de entender. A única coisa que me deixa realmente triste é você ter escolhido uma forma traumática.
- É, eu sei...
- Engraçado você ter a consciência disso. E mesmo assim continuou agindo da pior maneira possível.

( Silêncio)

Ele: - Não sei dizer a sensação de agora. O meu amor cresceu tão rápido. Parei de duvidar e estive entregue a você. Confiei com toda a força que você me fez ter. Foi como pisar no escuro, como não costumo fazer. Eu, sempre relutante. Sempre cheio de mim. Duvidando das coisas, das pessoas. Vi em você uma chance de tirar os pés do chão de vez. O que aconteceu com a gente e com a surpresa boa, só nossa ?

Ela: - Não espero que entenda. Mas você sabe. O primeiro "eu te amo" é sempre o que mais vale. Quanto mais amor, menos amor.


Levantou-se, e foi embora. Fingindo levar também o coração. Fingindo sair no tapete vermelho. E ele, comparando sua tristeza com o mar ali na frente. Mas ela foi mais forte, nem sequer olhou pra trás.

domingo, 8 de agosto de 2010

Desfibrilador

Eu quero ir com tudo pro final desse ano que mais parece uma década. Levantar e dar a arrancada que estava esperando, deixar o mais triunfante pro ato final. Voltar a me reconhecer com toda a vontade que alguém pode ter dentro de si. Muita queda já aconteceu. Aconteceu também vontade de largar tudo. Muita queda foi culpa minha, culpa da fraqueza que não trabalhei pra ir embora logo. Mas pouco da queda foi também dos outros; alguns que me puxaram pro ponto de partida quando eu já me sentia na chance de ganhar. Não há coisa melhor do que sentir a energia retomar os batimentos cardíacos quando já se tinha decretado morte. Não há coisa melhor do que ver a ferida se curando quando você já tinha se conformado em seguir mancando, cansada, se arrastando. Eu quero ver onde o caminho vai dar. Onde o caminho que eu mesma fiz pra mim vai dar. A vida tá pedindo, gritando alto pra voltar com toda a plenitude que ela merece. Eu seguro, peço calma ( mais?). Eu escrevo aqui com a vontade de gritar. Gritar na cara de alguns que me fizeram recuar. E gritar pra mim mesma de alívio. Escrever é catarse também. Catarse de extravasamento. Lembro-me do estilo da Geração Ultra-romântica, onde pra ler um poema daqueles é melhor subir na cadeira e gritar os versos com toda a força que tiver no peito para, assim, tentar captar 10% que seja da emoção que esconderam nas letras.
Eu quis correr com o corpo mais rápido do que a alma podia acompanhar. Parei, deixei ela me alcançar. Sentir-se em casa novamente e tomar as rédeas de mim.
Depois de muito tapa, eu quero andar com pernas próprias novamente.
Quero sentir de novo o que reprimi durante esse tempo. Deixar as coisas virem como há de ser. Já dá pra enxergar um pouquinho do fim. Tem cara de luz. Se, mais perto, tiver cara de escuro, eu quero poder ser mais forte que isso.
" Mas pense no agora! Não sentes a repiração voltar ao ritmo? A cicatrização dar sinais de avanço? O sorriso inesperado brincar nos lábios de novo? "

Segura. Falta pouco.

domingo, 1 de agosto de 2010

Torcida da sua vida

Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você. Tinha gente que torcia para você ser menino. Outros torciam para você ser menina. Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai. Estavam torcendo para você nascer perfeito. Daí continuaram torcendo... Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela primeira palavra , pelo primeiro passo. O seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o primeiro gol, então? E, de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer. Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel. Torcia o nariz para o quiabo e a escarola. Mas torcia por hambúrguer e refrigerante. Começou a torcer até para um time. Provavelmente, nesse dia, você descobriu que tem gente que torce diferente de você. Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar banho, escovar os dentes, estudar inglês e piano. Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana. Seus amigos torciam para você usar brinco, cabular aula, falar palavrão. Eles também estavam torcendo para você ser bacana. Nessas horas, você só torcia para não ter nascido. E por não saber pelo que você torcia, torcia torcido. Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu para o mundo explodir. E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso. Depois começou a torcer pela sua liberdade. Torcia para viajar com a turma, ficar até tarde na rua. Sua mãe só torcia para você chegar vivo em casa. Passou a torcer o nariz para as roupas da sua irmã, para as idéias dos professores e para qualquer opinião dos seus pais. Todo mundo queria era torcer o seu pescoço. Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro. Torceu para ser médico, músico, advogado... Na dúvida, torceu para ser físico nuclear ou jogador de futebol. Seus pais torciam para passar logo essa fase. No dia do vestibular, uma grande torcida se formou. Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por você. Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda, contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço da coxinha na cantina. E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de tanto olhar para 'ela'...
Primeiro, torceu para ela não ter outro. Torceu para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito magro. Descobriu que ela torcia igual a você. E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho. Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de lua-de-mel. E, daí pra frente, você entendeu que a vida é uma grande torcida. Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente torcendo por ele. Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não tenha conquistado algumas coisas. Mas muita gente ainda torce por você.

Carlos Drummond de Andrade