terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal

A ansiedade da viagem. O cheiro da casa de vó. Os ares de sempre, mas com cheiro de frescos e novos. A casa cheia. A mala com as roupas principais lá embaixo. A confusão das camas, das toalhas e dos varais. O sol, a praia, a cerveja. O almoço. Metade na mesa, metade no sofá/varanda. A sobremesa com gosto de infância. O marasmo do fim da tarde. A soneca com horário marcado pra se arrumar. A fila do banho. A confusão do ferro de passar, do secador de cabelo e da maquiagem. O espelho pequeno. O cheiro de perfume pelo corredor. A voltinha na sala. As conversas, o tira-gosto, as pastinhas, salgadinhos, queijinhos, o vinho, o whisky, o barulho da rolha do champagne, as taças e o copo que vira na mesa. Criança correndo. Criança chorando. Criança gritando. O DVD de música. Os presentes. Só uma lembrancinha. Se não der, troca. Não precisa agradecer, besteira. As sacolas no sofá. Hora da ceia. Os pratos empilhados. Faltou talher. Chega pro lado no sofá. Apoia na almofada, suja e disfarça. A sobremesa com gosto de encomenda. Checar mensagens do celular. Responder em grupo. Tirar foto. O primeiro bocejo. As risadas altas e alcóolicas. O sono chegando. A criança apagada no sofá e a outra dormindo na rede. Vamos indo, que querem dormir. Levem os pratos pra cozinha. Levem os copos. Pedaço de torta embalada. Pegue as coisas, veja se não esqueceu nada. O pai carrega o filho que finge não acordar. Checar lei seca. Chamar táxi. Beijo vocês. Obrigada pelo presente. Foi só uma lembrancinha. O interfone. O silêncio. Um beijo.

A família. O amor.
O amor.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Retrovisor

A tarde quente do Rio se despedia jogando os últimos resquícios de brasa na cidade derretida. De dentro do carro, eu observava apaixonada o mar dourado de São Conrado, ainda que o ar condicionado fosse o meu maior amor. Devagar, aparecia o pôr-do-sol no retrovisor e eu, ainda que tentada, não podia assistir continuamente. Olhar o espelho virado pra trás era apreciar algo bonito, mas o trânsito não permitia uma prolongada retrovisão. "Nem o trânsito, nem a vida"- pensava, no silêncio da viagem. A voz de dentro dela sempre falava pelas tabelas nos momentos em que o mundo se calava. E então concluíam, as duas (ela e a voz), que nem no trânsito nem na vida poderíamos viver olhando pra trás. Quer dizer, as coisas passadas têm lá sua beleza, têm seu valor e merecem o devido reconhecimento, como merece, todos os dias, o pôr-do-sol que abençoa o Rio de Janeiro. Mas, pensava baixinho, estava na hora de fazer do presente, de novo, o combustível da vida. "Considere o passado, viva o presente e lembre que o futuro nem sequer existe ainda" - repetia como quem aprendia o dever de casa. Há muito tempo o retrovisor guiava a sua vida, causando cada acidente bobo, cada topada na cara que, estranhamente, não eram o bastante para fazê-la aprender a olhar pra frente. É que o pôr-do-sol era belo demais e, refletindo no mar de São Conrado, chegava a ser hipnotizante. Ora, as coisas que ficam pra trás têm disso mesmo. Hipnotizam e têm a forma perfeita da tentação. Algemam, prendem, puxam e derrubam todo e qualquer ser insistente com mania chata de avançar. Ah, sim. O passado tenta mesmo. Às vezes até brinca de vivo de novo.

Mas algum estalo ali na frente, alguma luz de sinal vermelho ou uma buzina mais estrondosa a fez voltar o pescoço e, com ele, a atenção pra vida que acontecia agitada. Tudo acontecia bem diante dos seus olhos. O presente presenteava e entupia o caminho com as surpresas do agora! 

Trocou a marcha, ligou os faróis pra noite que vinha caindo e repetiu, sozinha: "em frente agora. De uma vez por todas, em fren-te".

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Para ler devagar


Todos os dias haviam, de uns tempos pra cá, adquirido aquela identidade dominical de 'tempo que se arrasta'. Mas não no sentido fastidioso. Não no sentido de tédio que ofusca a vontade de viver. Digo 'tempo que se arrasta' no sentido bom de ser. Tempo que caminha de sorriso aberto pra cada pequeno movimento do relógio, não inventando de dar passos maiores que as pernas só porque a modernidade assim o quis. Todos os dias, agora, nasciam com a preguiça gostosa do conforto da cama. Era a primeira vez que ela sentia cada torçãozinha do espreguiçar, uma por uma.  Depois, o gosto do café na boca ia ditando o ritmo lento do dia que se iniciava. Pensava em ler o jornal, mas tudo acontecia rápido demais nas páginas sujas. Pensava em ligar a TV, mas é que falavam rápido demais naqueles programas inúteis. Então, olhava pra fora. E via chuva fininha caindo no telhado vizinho. Gostava de observar a marca efêmera de cada gota na telha que escolhia pra namorar. 
Aos seus olhos, a vida acontecia lá fora no ritmo que Deus queria que fosse. 
Voltava para o quarto e pensava em ler a matéria das aceleradas obrigações do dia-a-dia. "O Crescimento Bacteriano", pronunciava alto. Mas logo pensava que bactérias crescem rápido demais, então desistia da pressa daquele texto.
Era a primeira vez que sentia o fim do ano sem parecer o fim da vida. Seguia o apelo de Lenine e tinha, sim, um pouco mais de paciência. Queria a vida calma como a beleza do Rio pedia às vezes, quando ela parava pra reparar.
O coração já não ia bem. Uma vida taquicárdica pra quê, então?
Ah, a vida mais calma respirava melhor. E ela respirava e sorria mais agora. Já disse Chico Buarque o que ela agora repetia quase como uma oração:

"Não se afobe não, que nada é pra já".

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Abstrato divã

Eu não sei bem o que a madrugada tem de tão interessante. Quer dizer, sem música, sem álcool, sem gente e sem nada: madrugada daquelas cruas mesmo. Só você com você mesmo. 

Não sou insone. Forço uma vida de coruja porque alguma coisa na madrugada realmente me atrai. Mal dos ansiosos isso; essa coisa de ficar alerta por qualquer mínimo evento, ainda que o evento em questão seja a épica e demorada luta, sem nenhum aparente motivo, contra o meu próprio sono. Eu me concentrava ora no filme que pegava da metade, ora no sanduíche que artisticamente preparava e ora nos ruídos que a casa dormida emitia. A geladeira virava uma sinfonia de estalos. O vento, essa eterna criança, batia na porta da sala e saía correndo no mesmo segundo. A posição que mais me contorcia a coluna era a mais perfeita materialização do conforto no sofá afundado da sala. O celular às vezes apitava. A ansiedade fazia o coração bater mais rápido. Eu levantava correndo pra buscá-lo na mesa e, sorrindo, constatava que era a bateria igualmente cansada e querendo dormir. Não era você perguntando por mim. Não era um encontrinho por SMS na madrugada. Daqueles que a gente deita na cama, no completo escuro do quarto, e se põe a digitar enterrados no cobertor. Ninguém vê. Ninguém ouve. E o encontro silencioso dura até os olhos arderem e desistirem da luta diária, rebelde e sem causa, que sempre termina com o mesmo vencedor: o sono.
Pois bem, eu não sei dizer o que é que a madrugada faz. Que mundinho é esse que descubro vasculhando os meus próprios pensamentos enquanto todo mundo sonha. Não sei quando é que vou aprender a viver as manhãs. Sim, porque as manhãs, as saudáveis e ensolaradas manhãs...ah, eu as abandonei há um tempo. São bonitas, sim, são um período do dia que tem o cheiro bom do café, o frescor do banho recém tomado e a conferida rápida na manchete do jornal. Mas, ainda que ofereçam tamanhos artifícios, as manhãs não possuem esse estranho poder das madrugadas de gerarem um verdadeiro e interessante mundo paralelo na minha cabeça.

Ainda que escuras, caladas, solitárias e quietas, as madrugadas, com esse ar de divã invisível, fazem dos meus pensamentos um interessante filme que nunca consigo ver até o fim.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Retornando (à vida)

O que mais me assustava em você não eram suas atitudes propriamente ditas. Não eram os atos. Não eram os erros, como faz todo ser humano que se preze. Nada disso, meu bem, deixa de ser digno de conversa, de calma e de vontade de perdoar no mundinho de coisas comuns que eu carrego dentro de mim. 
O que me faz ir embora de verdade, me ataca e me derruba num só golpe, é o assustador contraste entre seu discurso e suas ações e, principalmente, a estranha insistência em abraçar o orgulho com unhas e dentes e não deixar escapar um reconhecimentozinho sequer de que, possivelmente, algo de errado aconteceu.

Eu costumava dizer aos curiosos que perguntavam por mim nesse último mês que eu não havia viajado sozinha. Dizia isso com sorriso no rosto e coração aberto, não porque carecesse de sanidade, mas porque eu tinha levado você comigo. E todos os dias eu acordava e via você sorrindo pra mim. Eu dava um bom dia já rotineiro, brindava meu chopp com você pela noite e curtia a saudade como quem sabia que o abraço da volta ia valer a pena. Que a sintonia do vinho, da Lagoa Rodrigo de Freitas e de você numa tarde carioca iriam valer a pena. Pois você tinha essa coisa, de apagar tudo de ruim que o dia tivesse oferecido e virar uma recompensa materializada. Você me inseriu num mar de carinho, confiança, muito riso e muita farra, me assegurando que estava tudo bem. 
Mas o problema, meu bem, foi que você um dia quis sair sem dizer por que. Sem achar estranho. Sem se incomodar. Você só cansou e, entre descansar logo ou me ajudar a levantar da queda, você preferiu o primeiro. Acho que porque sabe que dor dá e passa. Seja lá o que realmente pensou na hora, talvez não mereça tanta importância agora.

O que importa é que voltei. E amanhã começo a matar a saudade que tanto me matou nessas semanas. Não de você. Mas do meu Rio de Janeiro, que faz a vida ser bonita fora de mim. E que, em vez de deixar os olhos se embaçando com água, faz a gente rir e se orgulhar. Deixa tudo pra lá então, e vamos viver.

Se Roberto Carlos me permite uma adaptação: quero que você me esqueça nesse inverno, e que tudo mais vá pro inferno.




quinta-feira, 5 de julho de 2012

Promessa


Não é que fosse doente. Não é que fosse incapaz, que tivesse problemas ou que, na flor da idade, houvesse limites para o que ela desejava fazer. É só que às vezes entrava numas ondas de azar assim daquelas grandes. Não conseguia ficar presa, mas a queriam prender. Não conseguia ficar quieta, mas a vida, às vezes, a enrolava numa camisa de força e a deixava definhando ao sabor do tédio, do tempo e do ócio. 


Sabe o que ela mais desejava agora?
Estalar os dedos e estar num lugar só com rostos desconhecidos, com paisagens desconhecidas e um tanto assim de coisas pra aprender.
Queria sumir um pouquinho que fosse. Queria parar de responder quando a chamassem (e eram muitas, mas muitas vezes), parar de atender quando ligassem e parar de viver quando quisesse.


Vida merda essa que não espera um tantinho quando a gente só quer dar um tempo de tudo.
Só ir ali e voltar.
Prometo que volto.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Ofuscado

O que exatamente a rotina faz com a gente?  

É algo meio triste, meio fatal. Como quando compramos um lindo e reluzente anel prata naquelas feirinhas de antiguidades que nos distraem por aí aos domingos de manhã. Nos poucos domingos de manhã em que vi o mundo, já comprei um anel único e bonito desses. Peça rara e de preço agradável, caiu ali na mesa da barraca, no domingo ensolarado, esperando que alguém notasse a sua beleza que, ainda que arrebatadora, não vencia a miudeza. Aí, então, passando por acaso, ocorre o caloroso encontro dos meus olhos com o objeto. E, logo em seguida, uma singela harmonia entre o anel, a minha mão e o sorriso na boca. Saem os três de bem com a vida, como três amigos de infância que se entendem como ninguém.

Acontece que um dia você acorda e o brilho do anel está, infelizmente, ofuscado. Toda a beleza e a imponência do objeto naquela tarde de domingo foram, assim, por água abaixo. A peça é a mesma, a mesma de sempre. Que já deixou marca de sol na mão direita. Que já tomou o formato torto do dedo. Que sempre despertou elogios e acompanhou o seu proprietário onde quer que fosse. Resistiu até à água, à morte no ralo da pia e ao vão entre a parede e a cama. Era, simplesmente, um companheiríssimo.

Mas a rotina faz isso com a gente. Tira o brilho do que um dia reluzia aos olhos, fazia o coração bater mais forte e o sorriso acampar na boca. A rotina desgasta e ofusca. E o faz lentamente, como se torturasse aquele que, por sentir-se confortável, deu por finita a sua procura por algo novo e diferente. A rotina veste a carcaça da organização, exala os ares da disciplina, não é? Faz o encarcerado sentir-se no perfeito controle dos seus dias. Mas por dentro, meu amigo, ela é feita de ausência de cor na vida.

E há quem não se aborreça. Há quem não enxergue, não dê um sinal sequer de agonia. Há quem se acostume.
Pois, de vez em quando, penso sozinha: 

"Coisa triste esse negócio de se acostumar à falta de brilho."


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Livre, leve

Era incrível como a vida sempre ouvia as minhas preces. Não digo sempre, porque de fato nada vem de mão beijada. Mas quando ouvia, meu amigo, a coisa vinha em série. Intensa, pesada...como se brincasse com meus anseios, me avisando pra nunca duvidar do quão imprevisíveis os dias podem ser e do quão inesperadas as coisas podem se fazer. Eu reclamei da rotina um dia desses meio lerdos, quando toda a sua vida parece ter se convertido em fastidiosos domingos. Reclamei que nada de novo me vinha mais. Nem um coquinho na cabeça caía assim, de repente. Só pra me assustar e me fazer sentir aquele friozinho na barriga que nos avisa que estamos vivos.

Eis, então, que me aparece você. 

Tinha a cara da confusão. Um cheiro forte de problema. E parecia, curiosamente, ser um estresse em potencial.
Pois se você foi uma surpresa, surpresa também foi o jeito como quebrou parte dessas minhas expectativas pessimistas.
Veio leve. Trouxe foi descontração, uns sorrisos assim de graça e uns maços de cigarro.
Então deixa.
Seja leve. Só isso que peço. Pois tudo meu foi muita dor. Já fui de achar que amor assim desesperado é coisa imperdível na vida. Que é pra cair de cabeça, jogar tudo pro alto e não olhar mais pra nada. Fico ainda achando que é mesmo coisa imperdível...porque aí a gente aprende a nunca mais fazer igual.

Você veio light. Não depositou nenhuma carga nos meus ombros. Aquela carga pesadíssima da cobrança, sabe? Está me deixando descansar. Recuperar os meus pedaços que espalharam por aí.

Não peço muito mais que isso pra ser feliz agora.
Só peço que a vida não me tire tão cedo essa sua leveza de perto.

E quando peço coisa pra vida, meu bem, ela gosta de me provar que consegue cumprir.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Breve branco

"Quais são suas prioridades?" - você me perguntava, querendo entender a lógica da minha frieza quando comparada ao seu amor. 
Eu pensava, refletia, repensava e aí dizia: "nenhuma."  E era isso mesmo que você tinha escutado. Eu lembrava dos amigos, da medicina, da família e de você. E não via nenhuma onda bater mais forte que a outra em mim. Talvez porque a prioridade maior fosse mesmo a vida de menina risonha, despreocupada e, quando possível, equilibrada. E a vida, pra mim, era tão cheia de cor, tão cheia de gosto que todo complemento que entrava nela e passava a ser um limitante, acaba comigo. Acabava com a paz, acabava com o riso. Desequilibrava a dança dos elementos que compunham a minha felicidade adolescente.
Então, você foi meu complemento e minha companhia. Mas de que adiantava se procurava mesmo era um amor?
Eu seguia leve os dias. Mas você foi ficando pra trás em algum ponto desses que a gente não sabe muito bem dizer onde fica.
Então, meu bem, um dia quem sabe eu encontro um motivo que me faça assim largar de tudo. Alguma coisa para a qual eu me doe tanto, que não sobre nenhum pedacinho assim pra mais nada. Algo que me faça ir tão fundo que eu esqueça de mim. Que esqueça do resto, do tempo, do sono e do corpo. Que seja tão forte que me tome cabeça e coração, que me inverta as ideias, que me troque todo o ar dos pulmões por um ópio forte qualquer e que me faça resumir todas as milhares belas partes da vida em uma só, e ainda assim valeria a pena viver. Que nem o catavento colorido, que a gente vê girando rápido e aí vira tudo uma coisa só. Branca.


Mas agora não. Agora não. "Quem sabe um dia" - eu repetia. 

Por enquanto só queria dormir, pra fazer o dia acabar logo. Pra fazer a paz voltar. 
Porque sempre volta. É um dia após o outro, não é? 
Deixa a regra me curar, a poeira baixar. E toda a minha vida retornar pra mim de novo. Em cores, por favor.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Gosto de menta


Precisava de alguma coisa que fosse assim inesperada. Como criança agitada, ela não suportava muito do mesmo. A rotina que, no início, vinha com os bons ares da organização e da disciplina, logo se transformava no ponto que ela mais queria eliminar da sua curta e única vida. Precisava, assim, acordar um dia com um sol brilhando em verde. Todas as árvores amarelas e um brilhante e inesperado talento para música. Queria sair andando em ré, falando árabe e sendo destra. Precisava de algo atípico, de um susto grande, de uma surpresa da vida que não tivesse nenhuma outra intenção além do simples prazer de desconcertar. Não precisava ser coisa grandiosa...ela nunca exigiu muito além da felicidade.
Pois bem. Podiam ser aqueles sustos de quando uma formiga te pica na grama, quando uma castanhola estala em cima do carro ou quando o beijo tem gosto de menta.

"Só pra sair da rotina" - pensava, como quem reza uma prece.

sexta-feira, 16 de março de 2012

E do riso fez-se um outro

Quer dizer, o momento era sempre notado por mim. Como um flash imperdível, os meus olhos sempre tiravam a foto daquele seu sorriso, tão típico e tão único, que não dava o ar da graça todo dia. Só de madrugada, com uma meia luz ligada, com nenhuma preocupação e ninguém presente além de nós três. Eu, você e a nossa felicidade, que de tão forte e compartilhada, se fazia como um terceiro a brincar de plantar sorrisos em nossas bocas. E o seu se fazia sempre daquele jeito memorável. Era um riso frouxo. De quem curte uma paz que toma logo o corpo inteiro, relaxa os músculos e a respiração, a ponto de o sorriso, grande palco da nossa felicidade humana, ter preguiça de sair. Não por falta de motivos, mas pela paz que aparecia quando estávamos juntos. E então, eu via os ângulos da boca se afastando devagar, as rugas tomando o seu papel de rugas e os dentes, bem tímidos, surgindo pouco a pouco. Depois, com os olhos meio baixos, você completava a cena com um grande suspiro demorado, sem maltratar o ar que te alimentava naquela hora.

Por fim, esse sorriso, como se já não tivesse me causado um grande leque de efeitos, ainda ousava provocar outro bem bobo no meu rosto.
Raro, trabalhado e, de fato, bonito, esse seu riso preguiçoso é uma das coisas na vida que me atingem a alma sem pedir licença.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nosso Carnaval

Ninguém chora, não há tristeza. Saímos na rua sonolentos do dia anterior e felizes pelo dia que se inicia. Passamos por príncipes, princesas, palhaços e bailarinas. Abelhas e joaninhas, confetes e serpentinas. Fadas, smurfs, mascarados e mascaradas. Palestinos abraçando israelenses e tem também a melindrosa, a cigana e o jogador. Entramos no clima vestidos como der na telha. Qualquer personagem que tire de nós o peso de sermos nós mesmos por um longo período de tempo. É no Carnaval, então, que vestimos a camisa da felicidade, e saímos nas ruas rindo do calor, do trânsito, dos pisões e empurrões, do banho de cerveja e até do dinheiro curto no fim do dia. É no Carnaval que brincamos com o motorista, com o policial e com o vendedor. E não há sorriso que se aguente sério nessa época do ano. Não se chora por ninguém quando se corre atrás do bloco, e quem sabe não se encontra um amor desses por aí.
E com a voz rouca, a cerveja gelada e os pés já doendo de andar, brindamos juntos e cantamos em uma só voz como a vida é bonita.
O Carnaval não é irresponsabilidade, corpo mole e nem mais um feriado no qual comemoramos o tempo livre do trabalho. Mas é sim uma forma de celebrarmos o sorriso. 
E aí, assinamos todos, num consenso facilmente conseguido, nosso contrato com a felicidade, tendo a certeza de que vale a pena rir por nada.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Fim de tarde

De fato, a minha felicidade dos fins de tarde em Ipanema era inegável. Quer dizer, não tínhamos lá muitas preocupações quando nos víamos. Simplesmente, assinávamos nosso contrato de paz e harmonia e íamos curtir o fim do dia como havia de ser. Depois de nossos problemas pessoais diários, como qualquer ser humano que se preze, alguma sintonia se instalava e ríamos juntos de qualquer bobagem dita. Sim, porque eu era espontânea e bem risonha perto de você. 
E não havia cobrança. Só um companheirismo gostoso de se viver, suas ondas e meu bom livro ali por perto. E então o tempo voava. Como se sentisse inveja da nossa descontração, o tempo tratava de correr e, depois, quando eu me via sozinha, uma pontinha de saudade me fazia confusa e feliz.
Gostávamos de samba, de uma boa cerveja gelada, de comida japonesa, de festas e de gente, de praia, de mar e das tardes do Rio.
Alguns pontos se desencontravam, porque coisa perfeita é sempre chata demais.

E então, quieta no meu canto, eu desejava em algum subconsciente desses aí (que a gente não sabe muito bem explicar do que é feito), que você e sua leveza estivessem por perto. E que, enquanto fosse bom assim, eu pudesse tomar minha dose de você e causar alguns sorrisos enquanto fosse capaz. Já que os meus, agora, brincavam no rosto sem que eu nem me esforçasse pra isso.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Por VOCÊ.

Se eu fosse escolher um único bem pra guardar numa caixinha trancada a sete chaves, escondida que nem ouro, valiosa como nunca se viu, seria a minha CONFIANÇA.

Cansada de andar por armadilhas, minha confiança hoje clama por valor.
Pede que eu cuide dela como deve ser cuidada. Que não mais a distribua. Que pense 5 vezes antes de apresentá-la a alguém. 
Minha confiança é o aval pra que eu vire transparente.

E quando somos transparentes, os opacos fazem a festa.

Dizem que a vida é correr riscos. Que se deve mesmo é acreditar. Fechar os olhos e ir.
Mentira, eu penso.

Não vale a pena pular em um mar lindo na superfície pra cair nas pedras lá do fundo.
Não vale a pena cheirar a rosa mais perfumada se for pra se furar nos espinhos.

Não vale a pena entregar sua confiança a tudo que se vê por aí.
Cuide-se. 
Confie em você.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Primeiro de Janeiro

E nesses meus dias de paz e vida mansa, eu também parava pra observar, como alguém que assiste a um filme, de que modo estava minha cabeça agora.

A resposta vinha logo: uma verdadeira bagunça, por assim dizer.

A cabeça, que sempre fora mestre em me livrar das atitudes passionais de menina, agora estava um embaralhado só. Quando entra em conflito extremo com o coração, dá mesmo pane no sistema. E dessa vez, era pra valer. Na verdade, não é de agora. A bagunça dentro de mim ficou como parasita, fugindo do baú de coisas chatas que a gente deixa no ano que passou, toda vez que, do último dia do ano, fazemos nascer uma nova vida. Cobra troca de pele, cigarra de esqueleto, e nós, como bons sonhadores, trocamos de vida a cada 12 meses.

Pois bem, eu não poderia começar o ano assim. Ainda com a ânsia de quem se deslumbra exageradamente com o mundo...com as coisas boas da vida. De fato, a bagunça a que me refiro é essa. Minha ambição e vontade de tudo ao mesmo tempo. Quero sair vestida de todas as cores, ver todos os rostos num só dia, provar de todas as comidas que puder e ouvir todas as vozes no celular. Quer dizer, perseguir prazeres, todo mundo faz. Mas conciliá-los é uma forma de usufruir da coisa ao máximo, e não de deixar de aproveitar a vida, como pode parecer aos hedonistas.

Enfim, quero pausa e organização. A pausa eu já tive, das grandes até. E a organização das minhas vontades e objetivos será o primeiro item da lista que ainda venho confeccionando. Sim, eu sei. Todos começam o ano com seus planos armados, vestidos da cor que lhes parece condizente com os desejos mais intensos. Verde é esperança, amarelo pro dinheiro...etc. Então, esse ano eu menti. Pulei as 7 ondas sem sequer ter um desejozinho que me tocasse lá no fundo, além dos clássicos "saúde, paz e sucesso".

Ta aí. Que eu pare de querer tudo ao mesmo tempo e espere a clareza chegar, que nem criança comportada.

Nenhuma cigarra pode crescer se não adquirir um esqueleto novo.
Por que meu ano deveria começar antes de acatar uma nova meta?

Feliz ano novo.