sábado, 8 de dezembro de 2012

Retrovisor

A tarde quente do Rio se despedia jogando os últimos resquícios de brasa na cidade derretida. De dentro do carro, eu observava apaixonada o mar dourado de São Conrado, ainda que o ar condicionado fosse o meu maior amor. Devagar, aparecia o pôr-do-sol no retrovisor e eu, ainda que tentada, não podia assistir continuamente. Olhar o espelho virado pra trás era apreciar algo bonito, mas o trânsito não permitia uma prolongada retrovisão. "Nem o trânsito, nem a vida"- pensava, no silêncio da viagem. A voz de dentro dela sempre falava pelas tabelas nos momentos em que o mundo se calava. E então concluíam, as duas (ela e a voz), que nem no trânsito nem na vida poderíamos viver olhando pra trás. Quer dizer, as coisas passadas têm lá sua beleza, têm seu valor e merecem o devido reconhecimento, como merece, todos os dias, o pôr-do-sol que abençoa o Rio de Janeiro. Mas, pensava baixinho, estava na hora de fazer do presente, de novo, o combustível da vida. "Considere o passado, viva o presente e lembre que o futuro nem sequer existe ainda" - repetia como quem aprendia o dever de casa. Há muito tempo o retrovisor guiava a sua vida, causando cada acidente bobo, cada topada na cara que, estranhamente, não eram o bastante para fazê-la aprender a olhar pra frente. É que o pôr-do-sol era belo demais e, refletindo no mar de São Conrado, chegava a ser hipnotizante. Ora, as coisas que ficam pra trás têm disso mesmo. Hipnotizam e têm a forma perfeita da tentação. Algemam, prendem, puxam e derrubam todo e qualquer ser insistente com mania chata de avançar. Ah, sim. O passado tenta mesmo. Às vezes até brinca de vivo de novo.

Mas algum estalo ali na frente, alguma luz de sinal vermelho ou uma buzina mais estrondosa a fez voltar o pescoço e, com ele, a atenção pra vida que acontecia agitada. Tudo acontecia bem diante dos seus olhos. O presente presenteava e entupia o caminho com as surpresas do agora! 

Trocou a marcha, ligou os faróis pra noite que vinha caindo e repetiu, sozinha: "em frente agora. De uma vez por todas, em fren-te".

8 comentários:

  1. Oh, ela escreve! Gostei muito, Luiza! (sinceramente)
    Vou acompanhar!

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  2. Notável! Assim como na vida, o passado tentou roubar a atenção do seu texto, mas, no fim, não foi bem sucedido.

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  3. Uma olhadinha no retrovisor é até necessária pra se localizar melhor, mas não pode ser muito demorada ou quando se voltar pra frente já vai estar muito diferente do cenário de antes, muito em cima. Fera isso!

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  4. Muito interessante Lu. Cada dia que passa você joga melhor sua sensibilidade nas palavras. Zeca Lopes

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