terça-feira, 30 de agosto de 2011

Para um breve talento

Eu seguia tranquila, sabendo que o coração já estava em outra direção há tempos. Agora apenas confirmaria. Seguiria firme, corajoso e sem receio pra buscar o novo, pelo qual já pedia há tempos. 

Colocando o tênis e já com a mochila nas costas, pronta pra sair de uma vez por todas, eu olhava uma última vez pra trás. E lamentava, de certa forma, não o fim das coisas, pois tudo na vida vira pó. Mas o potencial do que tínhamos, comparando ao fim que levou. Que nem aqueles artistas que deslumbram o mundo com sua voz e de repente vão embora, de um dia pro outro, carregando nos seus 20 e poucos anos toda a intensidade de uma vida passageira.

No fim, depois de muito discutirmos pra ver quem ganhava o troféu (ou razão, como queiram), eu soltei a corda. Deixei você seguir com o que quer que você quisesse nas mãos. Que nem criança quando chora muito, damos um brinquedo qualquer, ou alguma coisa que ela esteja fitando, e pronto, temos paz e silêncio. 
Junto com o troféu do qual você tanto fazia questão, levou também uma coisa pela qual eu não lutei. E, infelizmente, você não conseguiu descarregar por aí, em qualquer esquina. O peso na consciência. Esse, só de não levar pra casa (ou vida, como queiram), eu já estava realizada. 

Talvez pertencesse mesmo a você. E não se encaixasse em nenhuma estante (ou cabeça, como queiram) que não fosse a sua.

Uma pena, eu dizia pra mim mesma. Segura por confirmar, mais uma vez, que confiança é algo raro. E não se acha por aí. E finalmente, quando eu cansei de procurar em você, você me provou que não existia.
Eu diria que você apressou a nossa morte como um artista às vezes apressa a vida nas drogas. Mas ele se eterniza. E nós não.

Depois do fluxo de consciência, eu fui embora. Seguir a luz que a vida me acendia. Porque sempre acende.
E você pensando que iria conseguir apagar todas.

Tudo bem. Conseguiu.
Mas não foi na minha vida.



sábado, 27 de agosto de 2011

                                                                                                                                                             
"Se o homem não sabe a que porto se dirige,
nenhum vento lhe será favorável."
(Lúcio Anneo) 

Não, não há como continuar andando sem ter algo pra alcançar. Meta, objetivo, ideal, como queira chamar, é o que move o indivíduo mais cansado pra frente; é o que faz com que as pernas, que parecem não mais aguentar o peso do corpo, continuem andando, quase como um milagre.
Você não precisa começar do grande para estipular metas. É difícil, pede tempo e paciência. Pede força de vontade e tudo aquilo que te faz vasculhar o seu interior, de cima a baixo, fazendo-o duvidar de que o que você procura pode realmente estar dentro de você. 

Comece pelo simples, então. Que nem naquelas horas nas quais você se incomoda com o sedentarismo, respira fundo e toma a difícil decisão de que aquele é, finalmente, o dia de dar uma corrida na praia. Então...as metas precisam sair pra correr com você, ou nada feito. Elas aparecem, assim, da forma mais simples possível, mas não menos desafiadora. Algo como: " não paro até chegar naquele posto" , ou "só depois do prédio vermelho pra poder beber água". E assim vai. Pontos demarcados no seu trajeto e você não para até que passe por eles. O corpo grita de cansaço, só que o seu objetivo vai além desses detalhes.

Quando pequena, pra recortar uma folha de papel, eu gostava de fazer um risquinho no fim da linha imaginária que minha tesoura percorreria. Então, assim que começasse, não podia olhar pra mão, nem pra tesoura, nem pra nada que não fosse aquele risquinho parado ali, marcando a linha de chegada, esperando pra ser atingido. A linha saía. E com os errinhos mais tênues que você pode imaginar. Uma curvinha aqui, outra ali, mas nunca uma interrupção. Era meu objetivo o risquinho lá parado, e eu não sossegaria a mão antes de alcançá-lo.

Acredito que a vida tem dessas coisas também. Uns pontinhos que significam as suas conquistas pessoais. Não importa o que seja. Terminar um livro, ganhar uma corrida, acertar o gol, zerar o videogame, fazer alguém parar de chorar ou até se tornar um grande médico. Qualquer objetivo é válido desde que faça você caminhar. 

E não vale parar até passar daquele poste.





sábado, 20 de agosto de 2011

Eu, você e a chuva. De vez em quando eu deixava meu ombro molhar só pro guarda-chuva te proteger por inteiro. Pegava no seu braço e te trazia pra perto. E andávamos com pressa e em silêncio. O silêncio ganharia de nós em conteúdo se tentássemos abrir a boca. Finalmente, quando cheguei em casa, deixei você se acomodar. Água, bolo e demais cerimoniazinhas de praxe até eu lembrar que a casa sempre foi sua. Sentei na sua frente. E começamos a falar, sufocados pelo peso do ambiente. Eu procurava no seu rosto, desesperadamente, alguma coisa que fizesse, em 2 segundos, todo o nosso sonho voltar pra gente de novo. Mas não voltaria. Dali em diante eu teria que ser forte. Minhas lágrimas vieram antes. As suas apareceram depois. Mas no fundo competíamos, de igual para igual, pra ver que coração estava correndo mais risco de vida. Eu tinha, em mim, uma caixinha com motivos pra pensar que o sentimento nunca foi o dono de toda a verdade, de toda a festa. E dessa vez ele havia me deixado na mão. Eu queria proteger você por inteiro dessa dor que toma o peito e a garganta, que deixa o olho vermelho e embaça a vista a cada minuto. Mas eu não poderia. Precisava, primeiro, era cuidar de mim. E dizer pra você o que a vozinha de dentro de mim sempre me diz: "olhe, vai passar. Sempre passa."

quinta-feira, 18 de agosto de 2011



"...Tudo isso dói.Mas eu sei que passa, que se está sendo assim é porque deve ser assim, e virá outro ciclo, depois.Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto: "Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é?" È o que estou tentando vivenciar.
Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo... Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis, becos-sem-saída.Nada é muito terrível. Só viver,não é? A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir.Porque não estou fluindo".

(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Amor-coragem

Primeiro o amor vem como um mar de felicidade. Uma sensação inexplicável de disposição e vontade. Vem também no corpo de uma ansiedade boa, constantemente impulsionando para o encontro e para as conversas demoradas ao telefone. Amor chega e domina, já mostrando quem é que manda agora que você foi atingido por um dos mais gostosos estados da mente e do corpo humano.

Acontece que o amor também cega de primeira. Cega você pros eventos paralelos que acontecem enquanto se ama, de modo que nada nem ninguém consegue ter a dimensão que tinha antes, quando você enxergava. Tudo é tão pequeno pra quem agora pensa tão grande...

Mas então, chega uma hora em que sua visão começa a ser recuperada lentamente. Não porque o amor acabou, mas porque está passando pra uma outra fase, não menos gostosa de se viver, mas bem diferente da primeira.
Nesse momento, você passa a enxergar aquela cicatriz no supercílio, que não via antes. Passa a detestar a ironia da pessoa de vez em quando ao falar, e isso você também não via antes. O jeito de comer às vezes incomoda, a lentidão pra se arrumar, o gosto para filmes e alguma vezes você se magoa com grosserias e discussões que sempre se iniciam do menor problema que existir no dia.

Nessa hora, o amor toma sua forma mais madura. Em vez de cegueira e conforto puros, o amor também toma a face da coragem. E passa a significar um constante processo de recuperação. Não algo como aquelas massagens cardíacas de reanimação nos últimos minutos do segundo tempo. Não é desespero, nem desgaste pra quem vive esse amor-coragem.

É a força de vontade pra entender que o amor, acima do conforto pleno, é comemorar vitória juntos nas quedas que a vida resguarda por aí. Dar as mãos apesar dos defeitos. 
E abrir um sorriso no rosto, de novo, depois de uma longa noite de choro.

sábado, 6 de agosto de 2011

De volta

Fisicamente havia voltado. Mas a cabeça ainda não havia se ajustado completamente. Não tinha facilidade de se apegar a pessoas, a momentos e, muito menos, a lugares. Mas o outro continente a havia encantado. Talvez estivesse mesmo precisando de novos ares. Ver nova gente. Forçar o cérebro a bagunçar o ritmo do sono. 
Foi pra lá e voltou apegada. A pessoas, momentos e lugares.
Mas era isso. Sua casa não era lá, seu estudo também não, nem sua vaga do carro e nem o lugar onde tomava café.
Sentada na cadeira, de frente para a imagem projetada de um encéfalo. O caderno e a caneta em mãos. A sala lotada, um murmurinho no canto esquerdo e a cabeça fora de órbita. 
"Algumas subdivisões hipotalâmicas estão envolvidas com o controle do ciclo sono/vigília". 
Sono, vigília. Sono, vigília. Sono, vigília.

E essa seria sua rotina até que conseguisse voltar completamente.