quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O tal do fim do dia.

Eu entrei no carro, direcionei o ar pra mim. Disse um "oi" arrastado e cansado. Enquanto ela dirigia, eu fechava os olhos, ainda colocando o cinto e tirando a mochila do colo.
O dia começou em comum na mesa do café. Depois sempre nos separamos numa bifurcação por demais contrastante. E no fim, estávamos ali. Cada uma com seu dia nas costas, mas com o final em comum.
O estresse estragava qualquer início de diálogo.
Eu tocava as pálpebras com os dedos gelados. Tentando me tranquilizar.
Ela acelerava nas ruas já sem movimento; a cidade toda recolhera seus pesados dias e foram desmaiar na cama.
No rádio, uma voz que anunciava o convidado da noite na MPB.

"Olha, você não faz ideia do que passei no meu dia hoje." - disse ela.
Eu retrucava, entrando na inútil e boba disputa de quem tem o maior cansaço.
Finalmente, quando o silêncio chegou e a casa estava próxima, olhei e vi como ela era linda. Ela ia chegar em casa, colocar um sorriso falso no rosto e receber as visitas que aguardavam pro jantar. Que coisa tola essa de postura social. Seria tão mais legal entrar e falar " saiam todos. comam em outro lugar porque só quero tirar essa roupa e amar minha casa como nunca".
Eu desejei poder falar isso por ela.

Mãe tem dessas coisas. Vivemos num 8 ou 80, preto ou branco, bipolaridade semanal, fins de semana alegres e segundas-feiras cinzas, abraços, gelos, manha, bom dia, boa noite, vem comer, vai dormir, vai sair? vai voltar?.

E no fim gostamos. Porque olho pra ela às vezes, e alguma coisa boa invade o peito. Me dizendo que não há coisa mais certa. Coisa mais minha. Coisa mais rara.

domingo, 24 de outubro de 2010

Não serei escritora dos amores passados.
Não direi o que penso, porque as palavras saem cortanto. Elas cobram pedágio para estar aqui.
Queria conseguir transmitir a você, leitor, o que sinto agora. Ou melhor, o que não sinto. Estou numa estranha insensibilidade. E, o que é mais estranho ainda, pareço estar em uma aguda felicidade.
Sinto que consegui recuperar todas as partes de mim. Pois eu estava dividida. E agora estou egoísta. Mas posso, não posso?
Me dói quando a cabeça pede pra pôr em palavras os acidentes do coração. É tarefa árdua. Requer força. E muito controle. Sangue frio também. Pra não se assustar quando a palavra (mesmo escrita por minhas próprias mãos) me revela algo que nem eu mesma sabia que guardava em mim. Angustiada. São pequenos golpes quando a escrita toma vida própria e faz das minhas dores um filme pra mim mesma. Como uma desgastante e aterrorizante palestra de 'como aprender com suas quedas e, depois, arriscar cair de novo'.

Tudo isso me consome. Martiriza às vezes.
Mas me preocupa muito mais agora a estranha neutralidade que estou vivendo. Me tenho toda pra mim agora. Estou fria. Mas feliz. Isso é ruim? É que sinal?
Sinto os pés pisarem o chão, um pouco trêmulos, como se eu tivesse voado esse tempo todo. E, agora, tivesse que reaprender a andar um pouquinho.
Hoje, não vou tomar a dose de frescura pra escrever o coração aqui.
Pra escrever os rostos que atordoam minha cabeça.
Pra escrever as saudades que atordoam meus olhos e garganta.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Antes de dormir

Escrevi um texto aqui um dia que se chama "A cara da saudade". Sorri pra ele. Li mil vezes. Olhei o resultado como se só depois do esforço de escrita pudéssemos apreciar as letrinhas. Que nem uma montanha: na hora de escalar é só pedra ou gelo, tem nem sentido pensar no esforço porque senão você desistiria de só olhar cinza, branco, altura pra baixo, caminho pra cima. Mas lá em cima, a paisagem é só sua. Só sua.

Desculpe o fluxo da consciência, não era sobre isso que queria falar.
É que no fim do texto sobre a cara da saudade, ela continuou sem mostrar sua face. Fui saber disso ontem e não podia deixar você desatualizado. Meu Deus. O que é saudade? Dorzinha aguda na garganta/pescoço/peito. Mas não seria pior se não sentíssemos? Então é dor prazerosa? Masoquismo comunitário da Associação dos Possuidores de Coração do Planeta? É o que? Eu tentei falar. Tentei organizar. Tentei fechar os olhos e deixar sair só o que sentia. Senti que domei o sentimento! (irônico que até para sentir essa "superioridade" com relação ao sentimento precisamos deixá-lo nos invadir, ou seja, precisamos sentir. e só).

Parabéns pra você saudade. Nós passamos a vida tentando te matar. Mas você tem 7 delas. E nós só temos uma. "Quando olhar pra ele, vou matar minha saudade!" . Aguarde algum tempo, pra vê-la brincar no túmulo que insistimos lacrar! Matamos nada. Nós é que morremos um pouco. E o pior, é que gostamos. Sim, gostamos porque a facada da saudade dá frio na barriga, lágrima nos olhos, confusão na cabeça...mas no fim...continue explorando o turbilhão de sensações...e lá no fim, pulando pra ser vista no mar das emoções doloridas, está ela.
Sim, a estrela.
A razão de tudo.
A atração principal...
Ela: a sensação de viver intensamente.


Parabéns saudade pela sua esperteza. Vamos continuar lutando com você. Pois o homem tem dessa mania de achar que tudo pode. E sim, venha matar mais corações...

Porque nessa vida tão contraditória,
morrer de saudade
é ter vivido o amor.

Ter vivido o amor,
é ter vivido o...
a...

é ter vivido.

sábado, 16 de outubro de 2010

Para um sorriso de ressaca

Ontem era o cansaço de rotina.
Foi só você chegar, com esse teu sorriso pra tirar o meu de casa.
É ressaca além dos olhos. Os teus olhos riem junto. Mas o golpe é do sorriso.
Chega já chutando a porta.
Sabendo que em mim ele tem lugar de rei.

Ah, esse teu sorriso!
não sabe a força que ele tem...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fila

Veja bem, conversei com a consciência para lhe perguntar por que brinca tanto comigo, embaralhando tudo quando mais preciso dela. Ela disse que me explicaria, se eu parasse por um tempo de torturá-la com as dores do coração e seus gritos de frescura (ele fica assim quando alguns poucos conseguem cortá-lo ao meio). Reconhecendo sua razão de pedir paz, eu dei um suspiro aliviada e respondi:

- Eu vou te dar a paz que você tanto pede há meses, e merece. Já estais desatualizada e trago pra ti as últimas notícias da merda do amor, minha cara! Depois de muito tentar, pisar em falso e essas coisas que fazemos nos momentos de cegueira afrodisíaca, eu hoje convivo com a indiferença daquele lado de lá. Então, meu bem, agora é só o tempo pra curar todo o estrago e eu te poupo de lidar com a indiferença. Deixa o tempo cuidar, deixa ele passar...eu que já tanto quis que ele parasse em alguns momentos.

Ela (a consciência, é com ela que estou falando), então, parou perplexa...talvez se sentindo um pouco injusta de ter reclamado tanto, achando que só ela sofria. Somos duas, meu amor. Então, para que fizéssemos as pazes, ela me deu a resposta que eu queria:

-Brinco com teus pensamentos porque você mal sabe como eles são cuspidos pros teus textos. Eles fazem uma fila. Os mais claros, maduros e consistentes ficam na frente. Cheios de coragem para pularem logo. Mas tem dias que você resolve pegar um lá atrás, no setor dos nebulosos, perigosos, difusos e complexos, quebrando a ordem. Você faz isso quando escuta mais o coração do que a cabeça. Aí vem, ceguinha, bagunçar a minha ordem. Lembre-se de que quanto mais profundo o que você tenta catar em si, mais difícil será colocar em letras.

Saímos de mãos dadas, decretando nossas tão merecidas férias.


(Ps.: Está virando um hábito personificar as partes de mim. Prefiro enxergar isso como um traço de escrita, e não considerar que tem dias que elas tomam vida própria.)

domingo, 10 de outubro de 2010

Com você, os pedaços de mim

Você já teve a sensação de não poder ter algo que muito quer? Eu não falo de fracasso, muito menos de incapacidade. Hoje piso nessas palavras como já pisaram um dia em mim. Mas, deixe-me explicar o que martela a minha cabeça há alguns dias.
Apelo para o brega pois hoje estou com dificuldades de me expressar. Quando criança, eu gostava de montar quebra-cabeças. Cada vez maiores, 500 peças, requeriam um tempo enorme que testava minha paciência sempre curta. Então, quando já estava cansada, eu pegava uma peça muito parecida com o espaço que queria preencher da figura e tentava encaixar. Não era ali, mas eu virava, desvirava e pressionava a peça em vão, claramente percebendo que insistia no erro, ignorando que caíra numa extrema semelhança, mas ainda não no ponto certo. Desistia então, deixando de lado a peça amassada. Ficava um tempo olhando o resto do jogo. Engraçado como nessa hora era bom contemplar o que já havia sido feito. Eu descansava fitando meu trabalho (porque pra mim era uma obra dos deuses) e logo me dispunha a catar pecinhas certas no mar que ainda faltava pra completar a imagem. Esquecia a atitude boba de 5 minutos atrás e o jogo voltava a me entreter, botando fim na raiva e fazendo as pazes comigo. Enfim, peça errada não encaixa não importa o quanto tente, o quanto se esforce. Porque o motivo do não-encaixe não é a tua falta de perseverança ou a tua incapacidade de realizar aquilo. O motivo do não-encaixe é da natureza da coisa em si, é do formato do que você tenta manipular, sem aceitar que aquilo, simplesmente, não foi feito pra estar ali.

Eu hoje, então, me refiro a peças vivas. Sabe qual é a diferença? A coisa não pode ser sua não pela natureza própria ou pela forma como foi "fabricada". Mas sim porque peça viva, meu amigo, é possuidora de liberdade. E como tal, decide o que bem quer. É claro que tem vezes que você cai inesperadamente onde não escolheu. Pode ser bom ou ruim, pode ser no amor, ou na sorte. Mas cabe a você, sempre (sempre), resistir ou não a isso. Sair correndo ou não. A pecinha viva que você tanto quer colocar em um lugar (que parece ser tão certo na sua vida) decide se quer ir ou não. Ela ouve (ou não) os teus anseios, tua vontade e pega a parte das regras que você não alcança e decreta fim ou vida àquilo que está em jogo.

E aí, o que se faz é entender uma coisa que ontem veio bater na minha cabeça. Entender que é preciso valorizar o esforço, a vontade e até aqueles mergulhos de cabeça que a vida te convida a dar de vez em quando. Mas, lembrar também que uma parte ínfima dessa sede boa de tentar matar simplesmente não depende de você. No início é difícil aceitar. Dá vontade de tentar encaixar peça a todo custo. Aprisioná-la e gritar com toda força um quemmandaaquisoueu. Mostrar em luzes neon o tamanho da tua vontade e o desgaste do teu esforço.
Mas no fim, você para. Respira. Olha o suor. Ouve um risinho da peça que você tanto correu atrás. Então, devolve um sorriso cansado. Permita que seja orgulhoso também!
Aí, um dia desses, eu vivi um daqueles dias meus de criança socando a peça do quebra-cabeça no lugar que eu queria, com a garganta já salgada de choro. Então, subi as escadas de um lugar que pouco visito em mim. Onde eu posso assistir minha vida do alto de um mirante, e dar aquele sorriso sereno ao ver a parte da imagem que já está completa. Porque não dá pra ver do lugar onde acontece minha rotina. Eu aplaudi como os cariocas que aplaudem o pôr-do-sol. Larguei, lá de cima, a peça que tanto insisti pra ser minha. Ela não caiu pra fora da vida. Caiu no mar das que faltavam. E sabe? Ela, que um dia já foi tão especial, pareceu tão igual às outras ali no meio! Logo perdi de vista meu amuleto. Sentei, lá no alto, pra olhar um pouquinho as partes de mim lá embaixo. Inspirando cada dose boa de vento. Sentindo sol laranja de fim de tarde clareando a íris castanha. Sentindo também que o jogo, depois de tanto tempo, voltava a me entreter. Vontade de saber se a peça seguinte é do meu domínio. Ou se, de novo, vai me desafiar a convencê-la a ficar mais um pouco. Pra mais um café na minha sala. Eu deixo ela correr se quiser. Entrego a chave da algema. Ou abraço com toda força se ela aceitar o meu convite.

Coisa boa é acessar a visão panorâmica de emergência da vida (porque o bom é a surpresa, sem poder olhar o todo lá de cima). Coisa boa é sentir a leveza de, de novo, ir buscar o encaixe perfeito entre os pedaços de mim.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anti-amor urbano

Quando buscam inspiração
Os que amam com vertigem
Inspiram poluição
Comem os pretos da fuligem

Quando buscam ter calor
Na agonia carnal
Derretem vivos no ardor
Do aquecimento global

E se acaso mergulham
Na mais linda declaração
Não é com caneta de pele
No papel-areia do chão

Escolhem o mais limpo cimento
E cospem tinta e borrão
Pintando a cidade-tormento
Com a não-voz do coração

Assim a vida que queria
Viver mais a cada ano
Morre um pouco a cada dia
Neste desamor urbano!

domingo, 3 de outubro de 2010

Choque

Eu sempre gostei da escrita como forma de expressão. Lá na primeira ideia desse meu espaço eu já a colocava em um pedestal, enaltecendo-a. Mas, sabia que brigamos outro dia? Eu disse a ela pra parar com mistérios e linhas ambíguas porque minha dor está forte e precisa decifrar o que leio daquele outro coração. Fui veemente, cheguei a gritar (porque a confusão faz isso com a gente). E acrescentei que ela era minha melhor amiga, já que a fala sempre me traía, mas que ultimamente estava me dando cada golpe no peito, entrando em cada contradição! Parei de falar, respirei aliviada, o rosto afogueado, o sangue pulsando quente (talvez se chame desespero), certa de que havia sido clara. Ela (a escrita), então, levantou serena, em  um quarto com mistura de cinema e New York, olhou pra mim, sábia, e disse como quem joga uma bomba: " Não há mistério nas palavras transparentes que lhe apresento. Não há abstração, rebuscamento, devaneios nem rodeios. Há apenas o teu coração querendo enxergar o que já não existe, fazendo teus olhos trocarem as frases."