O poeta pegou a pena, sentou-se na grande poltrona junto à lareira e pôs-se a encarar o papel branco que tinha no colo. Poderia passar a noite toda escrevendo o turbilhão de idéias que tinha em mente. Eram lembranças, fatos do dia e um punhado de sonhos que cismava em atribuir um significado especial. Antes de tudo, sabia que não poderia demorar muito em sua reflexão, pois assim os ecos da cabeça abafariam a voz do coração. Molhou, então, o fiel escriba de sua alma (que parecia ter vida própria quando ele começava a escrever) e, assim que aproximou o objeto do papel, uma gorda gota azul tomou sua frente e, com toda a imponência, caiu vagarosa e elegantemente na imensa superfície branca que parecia não lhe amedrontar com suas dimensões vertiginosas, tamanha era a ousadia daquele ato. O poeta observou cada segundo da corajosa gotinha sendo absorvida pela folha, espalhando-se agoniada nos seus últimos momentos de vida; naquele seu territoriozinho azul do qual se orgulharia caso pudesse ver o resultado de sua façanha.
O rapaz parou um instante para ouvir o que uma daquelas vozes apaixonadas que moravam dentro dele estava dizendo. Dizia que aquela gota de tinta parecia com ele quando foi tomado de amor por ela (aquela moça que ele viu passar duas vezes em toda a sua vida). Naquele dia que ele arriscou pôr o pé no mar de encantos que transbordava dela, e acabou mergulhando por inteiro, sem que nada pudesse fazer para se livrar daquela folha de papel.
Por fim, lembrou-se que agora morria de amor. Morria de saudade. Morria com sua condição de poeta apaixonado, que nunca aprenderia a se defender de uma onda de sentimentos. Em sua vida, ele sempre nadava contra a maré, alcançando um bocado de areia de quando em vez, mas logo arrastado para o fundo novamente.
Pegou, então, a pena que tinha em mãos, mergulhou-a com vontade no vidro de tinta e salpicou milhões de gotas na folha que o desafiara. Em seguida, subiu as escadas e foi se deitar. Certo de que aquela era a poesia do dia. Certo de que seu coração muitas vezes tomava as rédeas de suas obras e o intrigava com aquele mistério sempre silencioso. E quanto a isso, nada podia fazer. Porque se tinha uma coisa que não possuía naquele momento era a tal da razão que perdera por ela. Parecendo uma gotinha de tinta dessas que caem no papel e se afogam na própria aventura, parecendo pular ao encontro do sofrimento. Parecendo saber, acima de tudo, que o destino do fogo é a água, do branco é a tinta, do riso é o pranto, da voz o silêncio e o seu, o amor.
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