Alguém me perguntou o porquê de amar a noite mais do que o dia. Foi de noite, então, dirigindo na cidade vazia, que refleti sobre a pergunta que, na hora certa, não consegui responder.
A caminho do trabalho, alerta e ativa, eu notava que o silêncio
noturno fazia qualquer ruído bobo virar rei. Era na quietude do escuro quente
do Rio, que eu me sentia mais viva e forte, mais instintiva e acesa, como os
barulhos urbanos outrora banalizados e abafados pelos excessos do dia. Eu me
sentia - como em “Perdoando Deus”, de Clarice - mãe de todas as coisas pequenas
que não vemos na claridade ofuscante. Me sentia vivendo uma maternidade jovem,
indo ao encontro de filhos que não vieram do meu ventre; prestes a embalar o sono
de quem não vive por enquanto, só espera. De quem aguarda a decisão da vida de ficar
ou sair; de seguir ou sumir bem diante dos nossos olhos sedentos por uma luz divina
na escuridão do momento. A noite me
deixava alerta. Me sentia mãe e sentinela de quem não podia espreitar os
movimentos da vida que clandestinamente flutua pelo escuro. Eu era uma jovem
que engravidara cedo demais e que, movida por um misto de adrenalina e de amor,
sentia no sangue uma vontade de proteger e de cuidar com unhas e dentes. De
noite, a fonte de calor que aquece o mundo parecia vir de nós, pois o sol não
era mais tão óbvio. Também durante a noite, quietinha e grandiosa, o barulho desordenado da minha mente não precisava
mais gritar para ser ouvido. Só conversava e me fazia companhia na solitude que
o silêncio noturno parece trazer.
A caminho do trabalho, eu pensava na noite regendo a guarda
dos sentinelas aflitos. Embalando o sono perturbado de quem não dorme, só
descansa. De quem se sente o último rastro de consciência no meio do descanso
dos outros. Encontro, na noite, sentinelas ansiosos como eu e percebo que,
muitas vezes, a minha dor com o sono eterno de alguns é, na verdade, a cópia da
dor de uma mãe real. A minha maternidade falsa é só o reduto do meu amor
sem direção que, agora, aponta como nunca antes para tudo que tem vida ou que
deseja ter.
O porquê de eu amar a noite está no sentimento aflorado de
que a surdina noturna é o último momento antes da incerteza do amanhã. A noite
é o final de tudo e o começo de nada. É a nossa esperança gritando pelos
cantos. É a nossa fé esfarrapada de que se um novo dia vier, ainda estaremos aqui.
Lindo LU!!!! Adorei!
ResponderExcluir"O porquê de eu amar a noite está no sentimento aflorado de que a surdina noturna é o último momento antes da incerteza do amanhã. A noite é o final de tudo e o começo de nada. É a nossa esperança gritando pelos cantos. É a nossa fé esfarrapada de que se um novo dia vier, ainda estaremos aqui."