O início da noite já invadia a minha tarde curta, enquanto a brisa do Jardim Botânico se decidia por fria ou quente. Nunca havia amenidade nas brisas da minha vida, de modo que os ventos sempre me eriçavam os pelos de frio ou me suavam a pele a arder de calor. Bem, eu andava assim mesmo, acostumada com a intensidade de sensações que os dias geralmente me traziam. Com a boca amarga de café e pão de queijo - combinação gostosa que me agrada o coração - eu andava a passos lentos ouvindo os estalos do meu próprio caminhar. Ora, sons e cheiros me trazem tenras memórias e o barulho do meu salto batendo ao chão me chamava a atenção para a mulher que venho me tornando. O barulho, contudo, ressoava nos ouvidos como ecos de responsabilidades mil que agora me enchiam a rotina e pesavam um pouco nos ombros.
Toc, toc, toc. Era o som do meu presente de tanto pensar e batalhar um futuro.
Mudei o foco. O cheiro de dama-da-noite ao virar a esquina da minha rua me lembrou o dia em que me mudei para lá. Em seguida, fui retrocedendo, de repente, até chegar misteriosamente no cheiro do bolo assando no forno nas tardes de chuva das Laranjeiras depois da escola. Até chegar no som de uma só rodinha na bicicleta do play. E, por fim, cheguei no cheiro do lençol da casa de vó dos Janeiros ardentes na Paraíba, até perceber que alguém segurava, já impaciente, a porta do elevador para que eu entrasse. Uma nova sucessão de tocs - agora taquitocs - me enfiou correndo porta adentro e, de repente, casa.
A cabeça, aérea como nunca, insistia em retomar os cheiros e sons mais aconchegantes que a vida já me dera o prazer de experimentar. Talvez fosse o corpo pedindo uma trégua do mar de novidades em que eu nadava agora. Jogando a boia do aconchego antes que eu me afogue no desconhecido. Trazendo sons familiares para abafar os barulhos da mente e cheiro das flores de sempre pra não me perder nos jardins do presente.
Mais um belo texto escrito com intensa sensibilidade!
ResponderExcluir