sábado, 14 de abril de 2018

O dia em que quase briguei com Deus


Saí da praia às pressas aquele dia. Mal tinha pisado na areia e já era a fatídica hora de voltar, arrumar a mala e partir para te ver uma última vez. O sol daquele Janeiro no Nordeste torrava a cabeça dos preocupados e abençoava os despreocupados jogados no mar (tudo é relativo). Ah, essa volta. Enchi os olhos de lágrimas, vestida de férias, mas com a cabeça batendo panelas pelas ruas escaldantes de João Pessoa.

- O senhor poderia ir mais rápido, por favor? – perguntei ao taxista.

- Posso sim, senhora – respondeu meio sem graça ao ver meu rosto vermelho no retrovisor.

Cheguei, corri pro banho e me arrumei. Vestindo uma regata florida, ouvi reclamações de que a roupa não era pro clima. Uma regata florida. Você AMAVA flores! Tenho certeza de que elogiaria a estampa e faria, na semana seguinte, uma roupa ainda melhor, afinal, sua criatividade nunca encontrou um limite.

No carro, rumo à mesma Recife fúnebre que encontrei dias atrás, engatei a pensar, novamente, naquilo que pensava aqui no Rio, jogada na cama, imóvel de cansaço: por que você? As coisas nunca possuíram lógica desde o dia em que a doença chegou na sua (na nossa) vida. Eu queria brigar com Deus por nos fazer experimentar a vida envoltos em mistério, guiados apenas pela fé que precisamos cuidar para manter acesa. Por nos dar o gosto de viver, mas com a tarefa de crer. Eu queria brigar com Deus porque você era boa demais pra ir embora e nós precisávamos muito mais de você do que Ele. Senti raiva. Onde estava Deus, afinal? Por que nos momentos mais difíceis eu sempre achava que Ele não passava de uma imaginação humana? Uma criação desesperada?

Parei. A cabeça quase explodiu naquelas estradas vazias até que lembrei de um detalhe: você NUNCA questionou. Eu disse: você sabia do seu fim próximo e nunca, nem uma vez sequer, deixou de amar a vida exatamente do jeito que ela acontecia. Com dor. Com limitações. Com tratamentos. E com alegria. Você nunca pareceu sequer suspeitar de que nosso Deus havia te deixado um pouco de lado para tratar de alguém que, porventura, precisasse mais. Você apenas sorria e permanecia com seu humor que, cada vez mais, me soava paradoxal. Todo o seu dia, desde o despertar até o boa noite, era envolto por uma aura esquisita de felicidade plena e – pasmem - de paz.

Foi aí que entendi. Todas as vezes em que você dizia que estava tudo bem, eu me dei conta de quem é que estava falando comigo. Percebi o recado que estava sendo passado. Percebi que não era mesmo para me preocupar. Que quando você falava, Deus preparava nossos corações atordoados para ficar em paz do jeitinho que você estava. Me senti, então, naquelas tardes de Domingo, monótonas, em que saímos pela casa, tresloucados, procurando por horas o celular que está no próprio bolso, até acharmos e cairmos no riso. Ou os óculos que estão quietos no rosto. Ou a caneta agarrada bem ali na mão direita. Não era óbvio? Sorri.

4 comentários:

  1. Lindo, Lubinha! Emocionada c sua sensibilidade!Carol

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  2. Muito bonito, Luba! Ela realmente transmitia implicitamente uma mensagem que hoje me conforta quando reflito. Você conseguiu expressar perfeitamente isso

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  3. Nossa como estou apaixonada por tudo isso!

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