quinta-feira, 9 de junho de 2016

Chave de casa

Sexta-feira, 3 de Junho. Chego afoita em casa pra tirar logo os sapatos, afrouxar a calça jeans e tentar adiantar o trabalho de segunda. Ver o que da faculdade dá pra ir completando, no meio de tanta coisa acumulada. Chegar em casa ainda na luz do dia era raro, oportunidade única pra produzir alguma coisinha.

Entretanto, a tão esperada entrada em casa não foi possível pela ausência do protagonista dessa história feliz: a chave da porta. Jogo a mochila no chão, derrubando a carteira, o pen drive, a bala halls derretida, recibo do banco, caneta e absorvente. Mas nada de chave por ali não. Olhei pra porta da vizinha e ri da minha cabeça me transmitindo a cena hilária de um pedido de abrigo temporário. Enfim, desci. Oi de novo pro porteiro. 

- Tá sem chave?
- To (seco) - disse enquanto me dirigia pro sofá da portaria, que seria meu lugar pelas próximas longas horas.

Deitei naquela posição desconfortável de quem deixa os pés pra fora. Acho que o porteiro leu meu rosto de cansada e resolveu dar uma colher de chá apagando umas das luzes do hall de entrada. Estava frio. Abri minha mochila e só tinha o jaleco amassado por ali. Me cobri com ele mesmo e juro que não consigo me lembrar da última vez em que colocá-lo sobre o corpo me trouxe tamanho conforto. Tinha me esquecido do material macio do qual é feito, já que ao vesti-lo, geralmente, alguma coisa mais pesada que tecido recai sobre os ombros. 

Fecho os olhos e a vida acontece acelerada em volta. Barulho de portão abrindo e batendo. Gente chamando o outro. Criança chutando bola no play (há quanto tempo eu mesma não chutava uma?). Barulho de buzina inútil de gente estressada do fim do dia. Dois cachorros que se estranham na rua. Televisão em alto volume. Meu celular vibra e eu, num ato já reflexo e assustado, viro a luz da tela pra minha cara pra ver o que é. Pode ser email. Pode ser mãe dizendo que tá chegando. Pode ser o grupo do trabalho pra entregar. Pode ser quem eu penso o dia inteiro. Pode ser nada também. Não era nada.

Fecho os olhos novamente. Agora os sons da vida alternam com momentos em que não ouço nada. Luto pra continuar alerta. Estou acostumada com essa luta pra continuar alerta. O celular vibra. Uma, duas, três vezes. Mas não me mexo. Os sons de fora se confundem com um sonho que começa. Alguém interfona. Um cheiro de jantar invade o lugar. Me lembrou a época de colégio, quando eu ficava aflita com o cheiro do jantar percorrendo a casa nas Laranjeiras, porque significava o fim do dia e eu não tinha feito os deveres que havia planejado para aquela tarde. A lembrança me atiça a vontade de lutar contra o sono. De olhos fechados eu tento manter a vigilância. Tento prestar atenção no que ocorre lá fora. Sou dura na queda.

- Sou dura na queda - diz o pensamento.

- Sou dura na queda. Sou dura na q.

E dormiu.
Esquecer a chave é necessário.








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