terça-feira, 1 de abril de 2014

Sem óculos


Sentada à mesa, de costas pra vista bonita do Rio, eu falava pelas tabelas enquanto matava a fome, já dolorosa, dessa tarde-surpresa de segunda. Punha os óculos de lado, como sempre fazia durante as refeições e, uma vez retirados, todo o entorno se fazia embaçado: 

"Só vejo você, não vejo mais ninguém!" - eu dizia. E ríamos do duplo sentido que essa fala já adquiria, sem querer. 

Quando você se encostava na cadeira, ouvindo meu papo não muito agradável, eu dizia não te enxergar mais, dado a distância agora aumentada. Então você ria -como costuma fazer sem esforço- e vinha pra perto novamente, brincando de ir e voltar como criança, que acha nas coisas da rotina um motivo pra ser feliz.

Depois, andávamos alegres, sem muito compromisso assim de imediato. Na minha cabeça, eu desejava, pros dias que se seguissem, poder andar sem óculos por aí, pra que todo o entorno parasse de existir quando eu bem quisesse. Cega pros olhos do mundo, pros rostos do mundo e pras coisas do mundo, eu desejava, por alguns momentos dos meus próximos dias, esquecer os óculos e só conseguir ver aquilo que, de tão pertinho e tão nítido, eu possa abraçar e chamar de meu.


3 comentários:

  1. Você escreve muito bem, parabéns! Retratou com perfeição uma sensação que só quem usa óculos sabe. Escolher o que vem aos olhos é uma das poucas dádivas da miopia.

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