quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tempo rei

Ah, ela tinha saudade sim.
Dessas coisas que produzem sorrisos de graça. Tinha saudade de dormir até tarde. De sair pro sol e só voltar pra casa quando ele voltasse também. E, ainda por cima, tendo o prazer de degustar aquela longa despedida de todos os fins de tarde, para a qual a sua cidade sabia ser o melhor palco do mundo. Tinha saudade dos 18 anos que sentia não ter completado. Saudade da bicicleta na orla, com vento. E sem relógio. Saudade da cerveja com mesa na rua. Do futebol. Sentia falta de sair e voltar com a manhã lhe pedindo pra ir pra casa. Fazia falta também o cinema, não perder um filme sequer. Sentia saudade do namorado, pra quem nunca havia tido muito tempo. Até os dias de chuvas torrenciais faziam falta. Porque esses dias, ao contrário do que pensam, não são de tristeza ou tédio. São dias de lugar aconchegante, livro bom, todo mundo na mesma casa, baralho na mesa, conversa sem pé nem cabeça e a simples e prazerosa sensação de não fazer absolutamente nada.
Sim, alguns diziam que ela estudava demais. Que se preocupava demais. Que era irritada demais.
Mas ela sabia o que estava fazendo. E se tinha algo de que ela não abria mão, era de um objetivo traçado. Entrou na cabeça, pronto. Só sossega quando puder aplaudir toda a sua dedicação. Que leve meses, 1 ano, 2 anos, 3 anos. Isso não importava. O que queria era a conquista que havia saído pra caçar.
Mas isso era caro. E ela, assim como todos, não tinha energias infinitas. Torcia pelo fim disso. Há tempos que não se reconhecia mais. Pela cor pálida que já a incomodava. Pelo sono acumulado. Pela grosseria que às vezes saía de sua boca pra quem não merecia pagar por isso. Ela não era assim.
Era mais livre que isso.
Talvez fosse drama, pensava. Mas logo sentia que não. Estava no seu completo direito de pedir arrego. De implorar pela passagem rápida dos dias e dessa rotina já forçada, automática, desgastante e difícil. Sim, difícil. E não ouse dizer a ela que ela ainda não conhece as verdadeiras dificuldades da vida. Cada um atravessa os obstáculos de acordo com sua experiência de vida e/ou condição não escolhida. E enquanto fosse aquela menininha em crise, estaria exausta e não a enxergaria em seus próprios olhos castanhos, toda manhã quando se encarava no espelho. Até a imagem a incomodava. Porque dentro do corpo cansado, mas resistente, havia uma alma já em pedaços, gritando com todas as forças pela fuga.
Achavam que tudo isso era pela fase decisiva que atravessava nos estudos.
Mal sabiam eles...que, além da cabeça derrotada, da perda excessiva de peso que não havia procurado e dos olhinhos querendo dormir, o coração tinha dado trabalho esse ano. E pedia, com toda razão, por momentos de renovação, de ânimo e de vida.

"Já vai passar" , repetia baixinho, todas as noites, antes de dormir.
"Já está passando", respondia outra voz, alguém que ela não sabia dizer quem. Mas que a confortava toda vez que fechava os olhos.

3 comentários:

  1. Fiquei preocupado contigo lendo isso.
    Mas ficou muito bem feito
    "Cada um atravessa os obstáculos de acordo com sua experiência de vida e/ou condição não escolhida."

    Ânimo aí.

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  2. parabéns pelo vestibular, sempre falei que vc ia conseguir..
    bjo

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