quinta-feira, 19 de maio de 2011

Visita

Era difícil entender. Difícil falar. Difícil, inclusive, escrever. 
"O amor está aqui" - confirmava ela, com toda a certeza que tinha em si.
Mal se encontravam pela vida (os dois, ela e o amor), mas dessa vez ela sabia que haviam se esbarrado.
Só que andavam se estranhando ultimamente.

Ela sempre abria a porta e um sorriso gigante toda vez que ele chegava. O problema é que ele ainda teima em vir de surpresa. E isso sempre desconcerta. Ela sempre leva um tombo, mal acostumada que é pra essas coisas. Mas logo se levanta, faz as pazes com o inquilino e vai viver bons momentos da vida. 

Mas dessa vez, não. A surpresa foi imensa, sim, como sempre. Só que a casa já estava cheia, com as outras surpresas que a vida lhe reservara. Tudo parte de uma fase eufórica que ela atravessava. Tudo parte da fase em que se sentir mais jovem era impossível. Em que a sensação de liberdade era um ímã. E ela, o metal.

Ela até sabia que o amor era raro em suas visitas. Por isso, tentou acolhê-lo. Tratou de apertar em algum cantinho. Mas ele sempre quer ser o rei. Quer sempre vir arrebatador, espaçoso e exige toda a atenção pra ele.
Dessa vez, não. Ela não podia (queria) se dedicar agora. Teve que ser dura, então, fazendo com que o amor desse meia-volta. Com as malas na mão, ele foi. Sem dizer quando voltava.

Só que ela sabia como era. Ele nunca ia embora de graça. Deixava sempre uma partezinha de si, pra fazer a menina pensar e pensar. Não esquecer, nem negar. Como se deixasse sempre uma brecha na porta, pra pegá-la de surpresa na próxima vez, já que ele não desiste fácil assim.

domingo, 8 de maio de 2011

Para ela

Começou com muita dor, um esforço de matar. Eu mal sabia o incômodo que causava pra ela naquela hora. Depois foram vindo sorrisos e orgulhos. Porque eu falei a primeira palavra. Porque dei o primeiro passo. Porque fui ao banheiro sozinha. Porque peguei certo no talher e aprendi a beber no copo. Porque a minha vida caminhava e, ainda que eu não soubesse disso, ela comemorava cada etapa por nós duas. 
E então aprendi a ser atrevida, a dizer não, a torcer o nariz e exigir do meu jeito. Ela, então, se esforçou pra me mostrar os limites, me colocar no eixo e me fez entender que muita coisa funciona do jeito que eu não quero. Foi aí que ela me ensinou a ser flexível e, graças a Deus, fez aquela manobra decisiva para que eu não entrasse no grupo do narizes empinados. Fez com que eu aprendesse a tomar doses de humildade, pois ela sabia o quão importante isso seria no futuro. 
Ela misturou sorriso, preocupação e curiosidade quando apareceu o primeiro namorado. Fez de tudo pra saber os detalhes e, ainda que eu cismasse que nem tudo era de sua conta, no fundo, no fundo, ela só queria que fosse alguém direito e que me desse o valor que só ela sabia que eu tinha. E, acima de tudo, ela me ensinou, nesse momento, a dar a mim mesma o devido valor. É o que ela chama de amor-próprio.
Depois, aprendi a negociar e, entrávamos então, em uma fase de longas discussões. Eu queria o piercing no nariz, o cabelo grande, a saia curta, a viagem com os amigos e chegar tarde em casa. Ela só não queria que eu tivesse alergias e nem me machucasse. E queria, acima de tudo, que eu chegasse viva em casa e soubesse que pra tudo há limites nessa vida. Mesmo quando temos 18 anos e achamos (com toda a certeza do mundo) que as limitações acabaram e que somos donos do tempo, da coragem e das possibilidades. 
E quando discordávamos demais, ela rezava pra que o desejo adolescente de nunca mais pisar em casa fosse logo embora.
Quando eu descobri que o amor pode doer, foi ela quem segurou nos ombros minha tristeza, minha decepção e indignação com a vida, amparando minha imaturidade no seu colo de experiência.
Um dia, então, eu aprendi que conquistas aparecem com o esforço. Quando entrei na medicina, ela multiplicou o meu sorriso e pegou um deles pra estampar na cara dela. Pegou minha felicidade e fez a dela ser igual, se não maior. Incorporou a sensação de dever cumprido, nova fase começando e toda a ansiedade adolescente que eu tinha em mim naquele momento. Fez isso porque merecia comemorar, como uma menina, todas as vezes em que ela não me deixou desistir, que abriu mão das viagens pra acompanhar minhas provas e que me fez ver que o estresse, às vezes, pode ser deixado de lado. 

Ela não me deixou na mão um minuto sequer.

E depois de passada a euforia da conquista, olhei pra frente e vi um novo mar de desafios. Muito maior que o anterior. Ela bem que tinha me dito que a vida é feita disso. De fases, de oportunidades e desafios a serem vencidos. Novamente eu me assustei. 

Mas logo senti a mão dela segurando a minha, me convidando de novo a dar aqueles passos dos quais ela tanto se orgulhou no início da minha vida. 
De novo me fiz criança. Desamparada e insegura. E de novo ela me deu a dose de confiança que eu tanto preciso. De novo, como nos meus primeiros dias de vida, ela me abraçou forte e me lembrou que está comigo.
E não abre mão disso por nada nesse mundo.

Te amo, mãe.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Pausa

E de tão boa que havia sido essa última fase, ela acabou esquecendo que a vida tem umas quedas repentinas. Tudo bem, o dia havia sido ruim e ela, sem querer, deixara a paciência cair em algum lugar pela rua. Pelo menos ela sabia que a tristeza não era apenas pelos detalhes indesejados do dia, mas havia recebido uma contribuição significativa de dias anteriores, que resolveram gritar só agora. Era assim que funcionava. Os problemas, no fundo, no fundo, reconhecem o quão inconvenientes são e procuram dar o ar da graça logo de uma vez só, pra que a dor não seja lenta. Podem ser antigos ou recentes, mas possuem a incrível capacidade de pegar um dia, escolhido a dedo, pra mexer com a sua cabeça. Fazem isso porque são experientes, e sabem que é melhor tirar o curativo com um único puxão do que ir pelas bordas, sentindo cada pontada de dor aguda, como se a ferida fosse 5 vezes pior do que realmente é.

Desculpe o fluxo de consciência, mas achei que você devesse saber disso.

Então, o dia estava chegando ao fim. Uma decepção ali, um atraso aqui, doses de preocupação, pessoas indesejáveis e pronto. Explodia a vontade de sumir um pouquinho, como há muito não aparecia. Queria começar pelas pessoas, dar um tempo de todas. Depois olhar pra dentro dela e ver o que tinha saído do eixo. E assim iria se acalmando. Mas das pessoas...sim, precisava de um tempo. Tinha essas crises de misantropia às vezes, que duravam pouquíssimo, mas tinham seu lado bom depois, ela sabia disso. Talvez estivesse sendo generalista, mas era mais fácil assim. Ninguém precisava saber, então, tudo ok. Logo, logo a paz voltaria. E com ela, a normalidade.
"Vá dormir. Pelo menos o dia acaba. Talvez 00:05 já seja um dia melhor."- disseram a ela. 
E talvez esse tenha sido o pedido mais racional para o momento.
Ela então deitou. Sentiu as costas agradecendo por isso. A cabeça então, respirou aliviada.
Os pensamentos, nessa hora, tentaram invadir a cabeça dela, como sempre fazem antes do sono profundo. E se sempre têm sucesso, hoje não o conseguiram. Estava proibido pensar em coisas naquela hora, quanto mais em pessoas. Deram meia volta, e foram habitar outras cabeças inquietas.

Para ela, o setor de pessoas e pensamentos estava temporariamente interditado. Coisa boba, parecia. Mas só ela sabia o quanto era necessário.