Estava eu, ontem, naqueles dias vestibuláveis que já conto as horas para que terminem. Com a paciência que finjo ter no presente momento da minha vida, eu estava escrevendo um texto, desejando que a UERJ explodisse. Era sobre proibições na vida do homem. Enfim, só sei que no meio daquele super passatempo sacrificante pra uma noite de sexta, começam a gritar as crianças da casa do lado. Tem tipo um pátio/garagem ao ar livre que, todos os dias, vira um parque de diversões. Elas gritavam. E a redação travou. Elas gritavam e eu acompanhava com o ouvido a brincadeira. A irritação subiu à garganta e, como uma boa e cansada vestibulanda, quem gritou fui eu aqui em casa:
- Mãe, ATÉ QUE HORAS A LEI DO SILÊNCIO PERMITE FAZER BARULHO NA RUA?
(Sim, eu estava incluindo a brincadeira das crianças como um tópico da Lei do Silêncio. Isso se chama estresse).
- Até 22h, filha, por quê?
- Porque essas crianças só conseguem brincar se tiverem um ataque de histeria. São 21:30, se não pararem até 22h eu vou lá. Você não acha isso um absurdo?
Ela riu. O que aumenta ainda mais a irritação numa hora dessas.
-Luiza, elas estão brincando. Você também gritava quando descia pra brincar.
- Não, não. Eu brincava normalmente, sem ignorar que vizinhos existiam, independente do meu mundo mágico da infância.
Enfim. Eu não desci, e isso é óbvio. Desisti do texto e fui arejar a cabeça, ver um filme, comer algo na varanda. E ri um pouco, sozinha, de mim e dos meus pensamentos de alguns dias difíceis. Eu queria chegar lá e mandar todos calarem a boca. Tipo cortar a graça. Por causa da lei do silêncio e, pior, por causa da minha redação. “Não pode. Não pode gritar agora. Todo mundo calado.”
E aí viagem começou.
Penso que esses cortes no viver do homem podem dar um ar de disciplina pra quem vê de longe. Mas no fundo, bem no fundo, fica um desejo que não morre assim por decreto não. Pelo contrário, fica forte, como se fosse um protesto pela tentativa de homicídio que ele (o desejo) sofre todo dia. É que nem saudade. Quanto mais se tenta suprimi-la, mais fortalecida ela fica. Assim é, pois, o desejo humano de ser livre. E olhe o que estou lhe falando...a própria natureza me prova que é assim: desses cortes repentinos, cresce mais e mais o que você tentou disciplinar. Sim, digo natureza porque ela já cansou de demonstrar: quando se poda o ramo de uma árvore, crescem ramos laterais. É assim. Não me faça explicar. Você corta uma ponta-mãe, e crescem, então, as pontinhas-filhas pelos lados, deixando a árvore com a copa mais gordinha. E então ela ri de você e de sua tesoura estraga-prazeres (caso a sua intenção fosse realmente diminuí-la).
Por favor, não pensem que eu não sei que a vida em uma sociedade racional seria completamente inviável não fosse o mínimo de consenso proporcionado por alguns pontos da lei. Mas o que quero lhe dizer, leitor, é que não se pode utilizar a tesoura estraga-prazeres com pessoas, assim, de repente. Não estou aqui para fornecer uma revolucionária alternativa às normas para que todos sejam bonitos e felizes, ao mesmo tempo. Não. Mas você me entende...só estou dizendo que a supressão da liberdade do jeito que é aplicada não está sendo eficaz. Ninguém deixa de usar drogas porque é proibido. Outro dia um indivíduo correu pelado na praia de Botafogo. E isso é proibido. Já vi um casal de namoradas receber uma “advertência” do segurança de uma boate não-gls por darem um selinho. Na (limitada) cabeça de muitas pessoas, isso é proibido. Meu Deus. Será mesmo que PROIBIR é tipo uma palavra mágica? “Não pode”, “Ta bom”. Se a coisa proibida não remeter a crimes de assassinatos, roubos e outras atrocidades unanimemente proibidas (por motivos óbvios), então é preciso tomar cuidado. Cortar o prazer, apagar a luz do show, expulsar a platéia ou os convidados da festa cultivam uma coisa em potencial lá no fundo, fruto de uma supressão do desejo próprio do homem. Fruto de uma equivalência errada do ser humano a pontas de cabelo, borrões de lápis e manchas na blusa. Você corta, corrige. Você apaga, corrige. Você lava, corrige. Mas você proíbe, e corrige?
Eu poderia continuar falando e desabafando com você que teve a paciência de chegar até esta linha. Poderia discutir com você, então, qual é a melhor forma de “corrigir” o homem. Mas isso é outra história. Agora, eu termino esperando que amanhã aquelas crianças gritem muito. Mas provocativamente muito. E eu inclusive jogarei uma faixa pintada por minhas próprias mãos, para que elas pendurem orgulhosamente no gol do futebol (a origem de todos os gritos) em frente à minha varanda:
“SOMOS FELIZES, NÃO PERTURBE”
Luiza Toledo.
Através dos seus textos eu conheço uma Luiza que mora dentro da pessoa que vejo tão distante no dia-a-dia. Suas ideias me encantam, gosto muito de ler o que escreve. Parabéns.
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