Há uma quadra esportiva de frente para a minha varanda. Todos os dias, por volta das 19h, muitas crianças e adolescentes se reúnem para jogos de vôlei e ali passam horas Animados, gritam, cantam, riem e comemoram pontos no micromundo da Mena Barreto. Eu paro para observar como se movem. Olho os mais tímidos de fora e os mais extrovertidos com pinta de líderes. Como se divertem os meninos na quadra, em plena segunda-feira, sem pensar no que fizeram do ano que passou; sem pensar no horário de acordar amanhã. Apenas a bola importa e a maneira como vivem o agora me encanta.
Lembrei, numa memória cristalina, de quando eu vivia o agora com a intensidade que a inocência dá pra gente. Me transportei para a quadra de vôlei da escola e lembrei como era importante, para mim, ganhar o jogo das olimpíadas escolares, com o rosto pintado com as cores da turma. Lembrei do fatídico dia em que errei o último saque em quadra e liguei assustada para a minha mãe, no trabalho, pra dizer que perderam por causa de mim. Eu vivia tão focada e intensa no que fazia que, às vezes, provava também a dor maior das minhas quedas. Hoje, pensando friamente, o sofrimento real daquela pequena jogadora não acontecia pelo seu mergulho no presente, mas por um apego ao passado (que acabara de nascer). Eu chorava o ponto perdido.
Cresci e, intensa como no dia do saque no vôlei, ainda deposito a maior energia do mundo em tudo que faço. Coração vindo na boca ao escutar o apito surdo do juiz. As pernas tremendo e as mãos frias batendo na bola. Nem sei quanto durou um momento desses pra mim. Tudo intenso. Tudo com ânsia de vômito. Como se em vez da bola eu carregasse o mundo e, passá-la pro outro lado fosse salvar a humanidade da fome e do câncer. Assim era o momento do saque pra mim. Era segurar o mundo com as mãos e salvar a humanidade que vestia roupas de time de escola.
Mas, uma vez que a bola encontra a rede, tudo o que experimentei vira passado. O coração disparando é passado. O tremor das mãos e a boca seca pela vitória são passado. Não existe mais ponto, bola e nem jogo. A vida piscou e me entregou só o que existe, ignorando minhas lágrimas verdes de tinta. Tive raiva da vida e fui ligar pra minha mãe aos 11 anos de idade. Raiva da progressão do tempo; raiva de ter tido o mundo nas mãos há segundos e o ter atirado contra uma rede velha. Tive raiva de as coisas terem virado passado sem que eu construísse o presente à minha maneira. Do outro lado da rede, comemoravam. As coisas são o que são e sempre há alguém feliz com aquilo que lamentamos.
Hoje, aos 31, ainda acho que meu apego ao que se foi é tamanho. Ainda acho que eu deveria aprender a lavar a tinta do rosto mais rápido; a respirar os ares do presente e a me vestir de Agora como quem troca de roupa nos bastidores de uma peça: nem sempre confiante, mas rápida e certeira. O presente, encenado ou não, é sempre urgente.
Na quadra da Mena Barreto, os guris viviam o agora. Eu, sem perceber, também.
Perfeito!👏Temos que viver o agora!
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