Eu não sei bem o que a madrugada tem de tão interessante. Quer dizer, sem música, sem álcool, sem gente e sem nada: madrugada daquelas cruas mesmo. Só você com você mesmo.
Não sou insone. Forço uma vida de coruja porque alguma coisa na madrugada realmente me atrai. Mal dos ansiosos isso; essa coisa de ficar alerta por qualquer mínimo evento, ainda que o evento em questão seja a épica e demorada luta, sem nenhum aparente motivo, contra o meu próprio sono. Eu me concentrava ora no filme que pegava da metade, ora no sanduíche que artisticamente preparava e ora nos ruídos que a casa dormida emitia. A geladeira virava uma sinfonia de estalos. O vento, essa eterna criança, batia na porta da sala e saía correndo no mesmo segundo. A posição que mais me contorcia a coluna era a mais perfeita materialização do conforto no sofá afundado da sala. O celular às vezes apitava. A ansiedade fazia o coração bater mais rápido. Eu levantava correndo pra buscá-lo na mesa e, sorrindo, constatava que era a bateria igualmente cansada e querendo dormir. Não era você perguntando por mim. Não era um encontrinho por SMS na madrugada. Daqueles que a gente deita na cama, no completo escuro do quarto, e se põe a digitar enterrados no cobertor. Ninguém vê. Ninguém ouve. E o encontro silencioso dura até os olhos arderem e desistirem da luta diária, rebelde e sem causa, que sempre termina com o mesmo vencedor: o sono.
Pois bem, eu não sei dizer o que é que a madrugada faz. Que mundinho é esse que descubro vasculhando os meus próprios pensamentos enquanto todo mundo sonha. Não sei quando é que vou aprender a viver as manhãs. Sim, porque as manhãs, as saudáveis e ensolaradas manhãs...ah, eu as abandonei há um tempo. São bonitas, sim, são um período do dia que tem o cheiro bom do café, o frescor do banho recém tomado e a conferida rápida na manchete do jornal. Mas, ainda que ofereçam tamanhos artifícios, as manhãs não possuem esse estranho poder das madrugadas de gerarem um verdadeiro e interessante mundo paralelo na minha cabeça.
Ainda que escuras, caladas, solitárias e quietas, as madrugadas, com esse ar de divã invisível, fazem dos meus pensamentos um interessante filme que nunca consigo ver até o fim.