quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Sala de espera

Ao final das minhas sessões de terapia, há sempre uma mesma menina na sala de espera, aguardando para entrar logo depois de mim. Sempre nos cumprimentamos e nunca houve, claro, espaço para um diálogo além do boa noite. Aparentando ser mais nova do que eu, ela tem sempre aquele olhar que usamos para tocar o dia, sem tanto peso, mas nunca radiante. Quando passo pela porta, sempre me pergunto que tipo de travessia ela está fazendo na vida. Gostaria de lhe dizer que ela me faz lembrar de mim mesma no passado: com a pele mais lisa, os ombros com menos peso, mas a cabeça elétrica com as questões da época. Volto àquele tempo e consigo revisitar um pouco o museu da minha própria mente. Ninguém nos avisa que a nossa relação com o mundo vai desgastando com o tempo e que precisamos, como num casamento, manter as coisas todas vivas. Como toda relação, nosso amor pelo mundo vai sofrendo os golpes da mesmice e alguma coisa vai ficando no caminho. De repente, somos invadidos pela responsabilidade de não apenas nos mantermos vivos, mas também interessados. Nosso casamento com o externo precisa de um banho de beleza esporádico. Ninguém nos avisa que, com o decorrer dos anos, a ternura daqueles natais em família e até o cheiro da casa da vó vão deixando de existir como regra e isso dói uma dor oca e opressiva, com a qual precisamos aprender a viver. A convivência com os amigos vai ficando escassa e não sabemos dizer com certeza em que momento o calor dos encontros ficou tão raro.

Me pergunto se a menina da sala de espera está notando a roda rodar dessa forma e, um dia, gostaria de saber como anda o seu casamento com o mundo. Eu queria escutar uma amostra qualquer das palavras jogadas naquela sala e bisbilhotar por uns minutos se a travessia dela pelas fases da vida tem uma coisa parecida assim com a minha. Eu penso que sim. Que ninguém é igual mas é, de fato, muito parecido. Penso, também, que ninguém nos comunica que alguma coisa muito nossa fica pra trás e passamos a ter dias meio confusos, nos perguntando onde isso foi parar. É uma leveza gostosa de início de relacionamento e que some, não sei. Um olhar curioso e cheio de atenção ao nosso amor maior - a vida. Um olhar que existia e que agora mudou. A gente reinventa a relação, procura distrações e um jeito de inovar pra salvar o casamento e, com isso, salvar a nós mesmos. Prometemos coisas, traçamos caminhos, nos enchemos de fé e escrevemos planos. Buscamos o sol, o mar, a floresta: todas as versões do mundo mais cru e selvagem, da forma como era quando isso tudo (a vida) começou. 
Foi a busca por essa reconexão que te levou àquela sala de espera. Uma terapia de casal toda segunda-feira, pra seguir amando a vida e sentir o amor de volta.