Tenho uma memória nítida e curiosa sobre os meus finais de Domingo na infância. A gente ia almoçar em Campo Grande, quase sempre, para encontrar a pequena parcela da família que morava no Rio. O dia transcorria lento. O andar lento de minha bisavó para a mesa; o almoço cozinhando lentamente e se demorando no fogo mais do que em todos os outros dias. A lentidão da fumaça de um cigarro que dançava sob o sol até o muro do vizinho. Eu não lembro direito o que era a vida nessa época, mas me recordo de não perceber o Domingo passar. Apesar de toda a lentidão que me era dada aos Domingos, eu conseguia, de repente, me surpreender que já era noite. Não a noite escura de silêncio da madrugada: era aquela noite imatura e caótica, com buzinas de carro e os primeiros postes se acendendo. A noite que acabara de chegar. E aí que vem a curiosa memória: eu me sentia ansiosa. Lembrava dos deveres de casa da escola para o dia seguinte, do cartaz de cartolina para apresentar e de afazeres que, já naquela idade, tinham uma influência estranha sobre os meus pensamentos. Voltávamos para casa em um Vectra cinza e eu lembro do cheiro do carro, do som da voz do radialista narrando um jogo com ecos e do tecido do banco do carro que fazia minhas coxas coçarem. Eu lembro de me sentir aflita com a semana que se iniciaria no dia seguinte, mas não consigo descrever o porquê de tal pensamento existir na minha infância. Acho que de todas as características que adquiri com o tempo, a ansiedade possa ter vindo de fábrica. Hoje, ainda tenho esse Sunday blues quando a primeira noite se insinua. Diferentemente da época de criança, a escola não é mais uma preocupação e a vida se impõe complexa e adulta. Perguntas desproporcionais para um dia tão comum vem à tona e, muitas delas, colocam minha vida toda em um projetor. Você gosta do filme que vê? - pergunta o Domingo em tom rude e frio. Resisto e apago as luzes que ainda restam acesas na minha cabeça. Sinto raiva do excesso de pensamentos de e como me provocam voltas no estômago. Questiono o maldoso final de Domingo: qual é a coisa mais importante da vida?
"É manter o interesse por ela, todos os dias".