Lembro-me, com clareza, das tardes de férias no verão do Nordeste. Um mês inteiro eu passava à toa, junto à minha avó e alguns primos, sem perceber exatamente o quanto, de fato, durava um mês.
Ao entardecer, tenho a recordação de uma sensação olfativa sempre me atiçar. Havia um cheiro de planta molhada nos ventos da tarde, ainda que chuva nenhuma se insinuasse ou que ninguém molhasse o jardim. Um cheiro verde e úmido me acalmava no meio da cidade lenta e do marasmo vespertino. Além dele, do tal cheiro clorofílico, aguado e selvagem, dois outros aromas marcavam as minhas tardes de criança: o cheiro doce e decomposto de fruta madura que morria no chão e o cheiro salgado de mar, mesmo que eu estivesse no interior. Brisas de fruta caída na rua, de caules encharcados e de água do mar eram os elementos que me faziam atinar para o fato de que já entardecia.
Lá, naqueles dias infantis e puros, eu vivia as tardes enquanto atentava aos cheiros dela. Ou, melhor, vivia as tardes PORQUE atentava aos cheiros dela. O entardecer sempre foi um misto de aromas na minha infância. Tinha o cheiro do cabelo recém lavado, do protetor solar que não saía por completo, de algo no forno assando pra depois e de um café ao longe, em outra casa talvez - tudo isso além da tríade-mãe de todos os aromas do verão. Eu vivia em plenitude o que há de mais verdadeiro nas tardes: um limbo entre uma coisa que nasceu e outra que está para se pôr ainda. Um espaço suave, calmo e tão tenro entre o tilintar das xícaras da manhã e as luzes noturnas da cidade. Entre a avidez por produtividade matinal e o sono do cansaço do final do dia. O entardecer era como um senhor deitado na rede de sua varanda simples, apenas observando os sacrifícios matinais e as lamentações noturnas; balançando quase que imperceptivelmente entre o despertar de homens que ainda não acordaram pra vida e o conformismo de outros tão surpresos com as despedidas.
A tardezinha me abraçava e me fazia refletir sobre a formiga, a brisa, o biscoito e as crianças chutando uma bola. Sobre a própria bola também. Percebi, um dia, que o cheiro da tarde era um completo estado de espírito. Fruta, planta e mar. Seria meu cérebro brincando com os sentidos? Quantas memórias se formaram, moldadas por esses três cheiros. Um tripé de aromas da tarde que não tinham pretensão nenhuma de ser alguma coisa. O cheiro da fruta não queria ser a fruta. O cheiro da planta não queria brotar e nem o cheiro do mar queria ter ondas.
Os aromas vespertinos eram felizes, eles próprios, pois não eram "de onde vinham" e nem o que estava pra ser. Eles eram os cheiros da tarde. E a tarde era eu inteira, cheirando a vida e percebendo tudo.