Houve uma época em que eu resolvi aprender a surfar. Apesar de amante dos esportes, eu não levava jeito pra coisa e isso fazia a minha experiência com o surf ser bem diferente de outros alunos. A maior dificuldade e o grande foco do meu surf não era ficar em pé na prancha até o final da onda nem fazer alguma gracinha no trajeto, mas conseguir retornar para o local de origem quando a onda acabava. Por mais bobo que isso possa parecer, terminar a onda e voltar lá pra onde estavam todos era uma experiência tenebrosa e, não à toa, eu me lembro até hoje.
Quase sempre, na hora de voltar, a famosa "série" aparecia. Para quem não sabe, isso é uma sucessão de ondas, um tanto maiores do que as usuais para o dia, que vem uma atrás da outra, com um mínimo intervalo de tempo entre elas. Nesse conturbado retorno, acontecia de algumas ondas da série quebrarem antes de eu conseguir ultrapassá-las, o que trazia até mim uma violenta e espessa espuma, arrancando a prancha do meu corpo antes que eu pudesse mergulhá-la e evitar o susto. Mas não termina por aí. Uma vez que eu conseguia voltar para o resto do grupo e sentar novamente para descansar, com os ouvidos e a garganta repletos de água salgada, o professor (o mesmo cara que havia me ajudado a entrar na onda, mas pouco podia fazer pelo meu retorno até ele), de repente, falava o que eu odiava ouvir: "rema, que tá vindo". E saía remando em direção ao horizonte. Sim, mais uma dessas séries começava a se formar e o que você tem que fazer para não ser levado pelas ondas é remar contra elas como se não houvesse amanhã. Nesse momento, o maior desafio para mim estava lançado. Rapidamente eu deitava, posicionando o peitoral no ponto da prancha onde haviam me ensinado, já tremendo os braços, com o coração a mil. E aí, com o sangue inundado de adrenalina, ofegante e com os olhinhos arregalados, eu começava a remar rumo ao paredão de água que subia na minha frente. À medida que subia, a água da onda ia formando uma sombra sobre si mesma, tornando aquele cenário ainda mais assustador. Todos se separavam, remando cada um à sua maneira e velocidade, sendo o barulho dos meus braços puxando a água com força o único ruído que eu podia ouvir. De repente, quando parecia que não ia dar tempo de alcançar a crista da onda antes que ela me alcançasse primeiro, eu já estava lá no topo, vendo-a escorregar por debaixo da prancha. Esse momento era o mais gostoso pra mim. Enquanto todos se recompunham sentando novamente, como se nada tivesse acontecido, eu dava o suspiro mais aliviante do dia, sentindo a prancha descer a colina de água que eu havia deixado para trás. Orgulhosa de mim, com o troféu que só eu conhecia, eu amava a descida gostosa que vinha logo depois do sufoco, recebendo os respingos da crista da onda que o vento trazia pra refrescar os que não desistiram.
Você deve estar se perguntando por que eu ainda insistia em frequentar aulas de surf diante do estresse que aquilo me causava. É porque nas aulas de surf, ali dentro d'água, a única resposta que podíamos dar ao medo era remar rumo à origem dele e ultrapassá-lo antes que ele crescesse demais.
Curiosamente, no pico do sufoco, ali no auge do cansaço, com os braços já fracos de dor e sem a alternativa de parar, era também o momento no qual eu estava mais no alto e já podia abrir um sorriso cansado comemorando o que, pros outros, era normal.
Eu abandonei as aulas de surf por falta de tempo. Mas gosto de dizer que nunca parei de surfar. Volta e meia, numas semanas difíceis dessas, nas quais cada dia é uma onda da série, eu tento parar um pouquinho para me posicionar na prancha, lembrando com saudade do desenho que faziam na areia lá nos meus 14 anos (e eu fingia não entender só pra ficar mais tempo sem precisar entrar na água). Depois, só há uma direção para que eu reme sem poder voltar atrás. E então, as horas de maior desespero e suor se tornam, também, as de maior crescimento.