Um dia, há muito tempo, fui injustiçada. É, bem direto assim mesmo. Escolhi mal as companhias, desperdicei oportunidades de sair fora e, por fim, fui injustiçada. O que se sucedeu a isso foi o nascimento, em mim, de um pequeno monstrinho, a princípio inocente: o sentimento de vingança.
A partir daí, eu passei a imaginar situações hipotéticas por meio das quais a tal justiça poderia ser feita. Quer dizer, dar o troco era um objetivo claro e único, capaz de produzir as coisas mais malucas que a imaginação possa criar. Eu pensava, por horas e horas (sem notar) em como seria bom se, de repente, houvesse a oportunidade de estar no lugar certo, de frente pra pessoa certa e pôr um fim naquela pendência de uma vez. Cheguei, por vezes, a pensar em quem poderia estar comigo nesse dia, mas depois desisti e voltei a me querer sozinha. O sentimento de vingança é uma espécie de droga alucinógena que, por meio do pensamento (ou de ações nos casos de dependência grave), faz a gente acreditar que as hipóteses ali criadas são boas e aliviantes, não sendo possível identificar seu potencial destruidor nem observar a cadeia sem fim que integram, já que nunca é suficiente apenas uma ideia isolada.
De repente, comecei a notar que grande parte do meu tempo estava sendo doado para o sentimento de vingança e, por nunca realmente concretizar nenhum dos pensamentos de dentro de mim, eu passei a não conseguir mais administrá-los sozinha. Acho até que concretizar qualquer coisa maluca que eu chamava de "fazer justiça" iria, na verdade, evoluir o monstrinho-pokemon da minha cabeça e, talvez, nunca mais me deixar em paz - mas isso é outra história. Não conseguindo, assim, guardar só pra mim, resolvi revelar os efeitos da minha droga-vingança para uma amiga. Contei tudo o que tinha acontecido e o que meus dias haviam se tornado depois disso, mas tentando convencê-la de que a única coisa a ser feita em prol da paz interior era ir lá e devolver na mesma moeda.
Sabe, o sentimento de vingança corrompe o puro e nobre sentimento de justiça. A vingança pinta a justiça de preto e faz essa coisa tão grandiosa e necessária adquirir um ar sombrio que nunca lhe pertenceu. A vingança faz com a justiça a mesma coisa que o dinheiro faz com o ser humano: modifica e contorce até a essência sumir todinha, mas preserva o nome para que muitos não notem o estrago.
A conversa com minha amiga seguiu sem que eu ganhasse argumentação alguma:
- É como um muro - eu disse - que me impede de seguir. O muro é justamente a injustiça ali me olhando e, para transpassá-la de vez, preciso quebrá-la. Se eu usar as mãos é claro que eu posso quebrar alguns ossos, talvez o pé ao tentar chutar o muro, talvez o braço também mas, por fim, vencerei isso, passarei pro outro lado. Afinal, você espera que eu desista? Que dê meia volta e fique aceitando uma derrota? Quem que é injustiçado e simplesmente desiste de enfrentar a situação? - dizia eu, ardorosa, batendo no peito naquele cantinho anatômico onde a gente guarda o orgulho.
- A única forma de enfrentar não é quebrando o muro e, segundo você, dando o troco. O oposto de quebrar o muro não é desistir dele, mas pular por cima.
- E deixá-lo inteiro?!
- Não, pra trás.