segunda-feira, 18 de março de 2013

Falta

Quando pequena, eu tinha um livrinho que minha mãe costumava ler pra mim cuja história eu sempre curtia como se tivesse acabado de ouvi-la pela primeira vez. Era sobre uma menininha que se preparava para dormir, apagava a luz, agarrava sua boneca, se enterrava no cobertor, dava boa noite para o brinquedo e dizia que ia deitar, mais ou menos nessa ordem. Então, de repente, ela se levantava, acendia a luz e dizia: "Mas está faltando alguma coisa por aqui!". Então vasculhava o seu quarto em busca do palhaço magrelo, cumpria o mesmo ritual de boa noite e finalmente fechava os olhos, agarrada nas duas pelúcias agora. Logo em seguida ela levantava, acendia a luz dizendo estar faltando algo e mais uma vez catava o brinquedo faltante. E o livrinho assim seguia. E eu ria e tinha frio na barriga toda vez que a menininha levantava, como se não soubesse o que iria acontecer e quem seria o próximo convidado da noite a se juntar ao clubinho do sono. Só sei que alguma hora não faltava mais nada, ela dava boa noite a todos os mil bichinhos e dormia com os anjos.
Lembrei dessa história hoje (e daria tudo pra achar esse livro perdido aqui) porque se o pegasse pra ler agora, talvez me identificaria depois de crescida também. Não por rir (ainda) das 500 repetições na saga dos bichinhos de pelúcia. Mas acho que por pensar, assim como a garotinha do livro, que está faltando alguma coisa por aqui. "Aqui" eu digo vida. E a "coisa" eu digo coisa mesmo, porque não sei o nome disso que tanto me perturba a cabeça as vezes. 
Muita coisa me alegra e me traz uma paz tão plena, mas tão plena, que por uns instantes eu acho que a vida nunca foi melhor. Tenho você, tenho meu curso, tenho a companhia, o carinho e tudo mais que alegra e acalenta um ser humano.
Mas basta viver um domingo assim vagaroso, basta chover um dia todinho, basta estar só na companhia de um livro, que aquela chata constatação volta a martelar a cabeça. 
E me amedronta porque não é sobre o domingo. Não é só pela chuva. Nem só por estar só. É algo maior, que tenho medo de pensar. Nebuloso, entende? Não toma logo uma forma no pensamento. Só dá frio na barriga. E uma angustiazinha suportável. Não diria que me impede de fazer nada. 

Mas me faz lembrar -temporariamente, eu espero- que, definitivamente, está faltando alguma coisa por aqui.