O que exatamente a rotina faz com a gente?
É algo meio triste, meio fatal. Como quando compramos um lindo e reluzente anel prata naquelas feirinhas de antiguidades que nos distraem por aí aos domingos de manhã. Nos poucos domingos de manhã em que vi o mundo, já comprei um anel único e bonito desses. Peça rara e de preço agradável, caiu ali na mesa da barraca, no domingo ensolarado, esperando que alguém notasse a sua beleza que, ainda que arrebatadora, não vencia a miudeza. Aí, então, passando por acaso, ocorre o caloroso encontro dos meus olhos com o objeto. E, logo em seguida, uma singela harmonia entre o anel, a minha mão e o sorriso na boca. Saem os três de bem com a vida, como três amigos de infância que se entendem como ninguém.
Acontece que um dia você acorda e o brilho do anel está, infelizmente, ofuscado. Toda a beleza e a imponência do objeto naquela tarde de domingo foram, assim, por água abaixo. A peça é a mesma, a mesma de sempre. Que já deixou marca de sol na mão direita. Que já tomou o formato torto do dedo. Que sempre despertou elogios e acompanhou o seu proprietário onde quer que fosse. Resistiu até à água, à morte no ralo da pia e ao vão entre a parede e a cama. Era, simplesmente, um companheiríssimo.
Mas a rotina faz isso com a gente. Tira o brilho do que um dia reluzia aos olhos, fazia o coração bater mais forte e o sorriso acampar na boca. A rotina desgasta e ofusca. E o faz lentamente, como se torturasse aquele que, por sentir-se confortável, deu por finita a sua procura por algo novo e diferente. A rotina veste a carcaça da organização, exala os ares da disciplina, não é? Faz o encarcerado sentir-se no perfeito controle dos seus dias. Mas por dentro, meu amigo, ela é feita de ausência de cor na vida.
E há quem não se aborreça. Há quem não enxergue, não dê um sinal sequer de agonia. Há quem se acostume.
Pois, de vez em quando, penso sozinha:
"Coisa triste esse negócio de se acostumar à falta de brilho."