Meu bem, sabe quando vamos viajar e, na hora da decolagem, vemos a cidade de se afastando lentamente? Naquela hora, de noite, em que os cansados já cochilaram, os leitores já se concentraram e você observa a cidade ficando pequena, lá embaixo. Existe um momento que quero lhe contar, nessa subida. É antes de as pessoas virarem pontos e de as primeiras nuvens começarem a passar pela janela. Existe uma hora, bem aí, em que a cidade da qual estamos saindo parece fazer todo o sentido. Lá de dentro, tudo é um caos, tudo é gigante e quase nada é do nosso controle. Mas nesse momento que estou lhe contando, dá para observar os quarteirões em perfeita simetria. Os espelhos d'água bem delimitados. E aquela minhoca de luzes vermelhas de faróis infinitos serpenteando entre os prédios, como se dançasse lentamente pela selva de pedra. Lá de cima, não ouvimos as buzinas impacientes, nem respiramos a fumaça constante. É tudo sereno, simétrico, sei lá. Podia haver uma trilha sonora e pronto. Faria tanto sentido a cena observada, seria de uma organização tamanha que o prazer e o alívio de vê-la atingiria até o mais estressado cidadão.
Pois bem. É isso que estou fazendo agora. Olhando a gente lá de cima, do ponto perfeito onde tudo faz mais sentido, de tal modo que de dentro dos acontecimentos e da rotina, somos verdadeiros cegos, aflitos, sem entendimento. Quero olhar do alto, ter a vista panorâmica do nosso filme, da nossa novela. Tão linda que é. Mas ultimamente tem me convidado a fazer essa viagem, fugir um pouquinho pra pegar o melhor ângulo. Desvendar a minha cabeça como uma sagaz observadora. Que não perde um detalhe sequer da imagem que observa.
E a imagem, meu amor, é a gente.